De onde vem o manjerico e como é que se tornou um símbolo dos santos populares?

É fácil responder à primeira pergunta: a planta tem origem no Médio Oriente. Mas como é que nos apropriámos dela e fizemos do manjerico um marco das festas de Junho? A essa pergunta parece ser mais difícil responder.

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Carla Rosado Manjericos em Lisboa
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O biólogo Luís Mendonça de Carvalho diz que o aroma do manjerico ajuda à sua popularidade Andreia Carvalho

Estamos em Junho e, como sempre, o manjerico regressou à nossa paisagem. A planta, cujo nome científico é Ocimum minimum, é indissociável das festas de Santo António (13 de Junho), São João (24 de Junho) e São Pedro (29 de Junho) — e, por extensão, da cultura de Portugal. A sua presença no nosso imaginário é tão grande que até figuras como Fernando Pessoa e Amália Rodrigues já escreveram e cantaram, respectivamente, sobre ele. Mas como é que nos apropriámos desta planta, que não é nativa da Europa (tem origem no Médio Oriente)? Como é que, historicamente, “importámos” o manjerico e fizemos dele um símbolo das festas populares?

O PÚBLICO colocou esta questão a diferentes especialistas do ramo da biologia e das plantas aromáticas. Talvez surpreendentemente, não há respostas concretas em abundância. “Se essa informação fosse assim tão imediata, acho que já me teria cruzado com ela”, chega mesmo a apontar Luís Mendonça de Carvalho, biólogo e director do Museu Botânico de Beja.

O investigador de história e filosofia da ciência é autor de livros como Portugal Botânico de A a Z (editora Lidel, em 2003) e As Plantas e os Portugueses (editado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, em 2019), pequena obra em que é contada, por exemplo, a história de como foi pela mão dos portugueses que a laranjeira foi trazida para a Europa (é por isso que, em algumas línguas, a palavra “portokali” significa “laranja”). Mas desconhece o percurso histórico do manjerico e o motivo pelo qual começou a ser usado no contexto das festas populares.​

“Muitas vezes, as tradições criam-se”, refere o especialista, que diz isto para falar do cravo e da sua associação ao 25 de Abril. “Nesse caso, podemos dizer que houve um momento fundador: associamos os cravos à liberdade, porque eles foram distribuídos pelos soldados no dia da queda do Estado Novo. Mas também há tradições mais difusas. Não sei se há um momento fundador para o manjerico”, conta.

De acordo com Luís Mendonça de Carvalho, mais fácil do que apontar para o momento a partir do qual o manjerico começou a aparecer em território português e nos arraiais do mês de Junho é explicar o motivo pelo qual a “erva dos namorados”, como a planta é conhecida, é usada nas festas populares para representar o amor. “O facto de estarmos a falar de uma planta anual que tem um ciclo de vida curto é simbólico em termos do uso que lhe é dado. Oferecer aos rapazes ou às raparigas um manjerico com uma quadra popular é um símbolo do amor efémero. Tal como o manjerico é efémero, também as paixões juvenis vão depressa”, refere.

Também há questões mais práticas. “A planta é fácil de transportar e cultivar”, o que ajuda à sua popularidade, admite o biólogo. “É, também, muito aromática, o que a torna agradável. Quase sempre, as pessoas acabam por dar um uso material e/ou simbólico às plantas aromáticas”, afirma ainda, argumentando que também é por causa do cheiro que, em contextos bíblicos, o cedro-do-líbano (Cedrus libani) é “um símbolo de Deus” — “Os justos florescerão como a palmeira, crescerão como o cedro-do-líbano”, pode ler-se num dos 150 salmos do Antigo Testamento — e a açucena (Lilium candidum) representa a Virgem Maria.​

“O aroma é uma coisa muito marcante para os seres humanos, muito primária. Aquilo que é aromático traz boas recordações, as pessoas associam determinados cheiros a determinadas memórias positivas”, reflecte Luís Mendonça de Carvalho, que, de resto, tem pena de não saber a partir de que momento o manjerico se infiltrou na cultura portuguesa. “Voltando ao que disse antes, é difícil encontrar o momento fundador, assim como, muitas vezes, é difícil dizer de onde vieram os ditados ou as expressões populares”, refere.

Conhecemos o porquê de certas expressões, diz o director do Museu Botânico de Beja. Sabemos, por exemplo, que a palavra “possidónio” é usada para descrever uma coisa ou uma pessoa pretensiosa por causa de Joaquim Possidónio Narciso da Silva (1806-1896), arquitecto, arqueólogo e fotógrafo português que, recorda Luís Mendonça de Carvalho, foi contratado pela rainha D. Maria Pia (1847-1911) para decorar o Palácio da Ajuda — e investiu numa “decoração muito elaborada e parola”. Mas desconhecemos as origens de um número significativo de provérbios e ditos populares, assinala o biólogo.

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Os manjericos também são muito aromáticos NUNO FERREIRA SANTOS

Manjerico: popular, mas “meramente decorativo”

Lígia Salgueiro, especialista em plantas e nos efeitos terapêuticos (ou tóxicos) que os seus componentes podem ter, também não conhece a história do manjerico em termos culturais. Mas a docente na Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra sabe distinguir, em termos dos usos que lhes são dados, os manjericos de outras plantas pertencentes ao mesmo género (Ocimum).​

A co-autora do livro Plantas Medicinais: Entre o Passado e o Presente (editado Imprensa da Universidade de Coimbra, de 2014) começa por destacar a versatilidade do manjericão-de-folha-larga, ou simplesmente manjericão (Ocimum basilicum), planta originária dos continentes asiático e africano que, no que diz respeito ao seu aspecto, é conhecida pelas suas folhas ovaladas — que, assinala Lígia Salgueiro, “são usadas na alimentação como condimento”. O manjericão também tem propriedades medicinais: o seu óleo é “rico num composto químico chamado linalol, pelo que é usado em aromaterapia, podendo aliviar sintomas reumáticos”, acrescenta a especialista.

O manjericão tem ainda como componente aromático o estragol — também denominado de metilchavicol —, que “é utilizado como repelente de insectos e também para aromatizar produtos alimentares”. “Também pode ser usado em perfumes, detergentes e produtos de cosmética”, salienta Lígia Salgueiro.

Há ainda quem use óleo de manjericão para “criar um ambiente relaxante”, continua a docente. “A alfazema também é usada para isso. Como o manjericão tem linalol, que é parecido com aquilo que a alfazema tem em termos de componentes, também pode ser um bom aliviador de stress”, comenta Lígia Salgueiro.

No manjerico, “predomina mais na composição o eugenol”, que, quimicamente, está mais próximo do estragol, a tal substância usada para repelir os insectos. “Como a espécie Ocimum minimum não tem linalol, faria mais sentido como repelente de insectos”, diz Lígia Salgueiro. Mas a folha do manjerico é mais pequena do que a folha do manjericão e o seu “rendimento em óleo essencial também é menor”, pelo que, embora seja um marco da cultura popular portuguesa, a planta aromática “não é usada industrialmente”. “Não sei se noutros países os usos serão diferentes, mas aqui os fins do manjerico são meramente decorativos”, refere a especialista.

Outras espécies do género Ocimum incluem, por exemplo, o manjericão-sagrado (Ocimum tenuiflorum) e o manjericão-cheiroso (Ocimum gratissimum), como é conhecido no Brasil. O óleo deste último, constata Lígia Salgueiro, é abundante em timol — e “plantas ricas em timol são muitas vezes usadas como antimicrobianos”.

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