Foliões preparam rusgas na esperança que tradição não desapareça das ruas do Porto

As tradicionais rusgas de São João, uma espécie de marchas populares no Porto, realizam-se a 2 de Julho, depois de dois anos de interregno devido à pandemia da covid-19.

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Em 2019, mais de 1.200 participantes desfilaram no tradicional cortejo Goncalo Dias

A menos de um mês do desfile, os foliões já preparam as rusgas de São João, na esperança de que esta tradição, recuperada há 31 anos, não desapareça das principais artérias do Porto. “É importante que estas tradições não morram porque são a alegria de um povo”. É assim que Carlos César, gerente do café do Orfeão da Foz do Douro, descreve as rusgas de São João, uma antiga tradição recuperada pela autarquia em 1991.

O que o move, diz, é o “convívio e a alegria” da folia de que ouve falar desde criança. À época, nas chamadas “rinchadas”, os grupos juntavam-se e, a pé, passavam pelo Senhor da Pedra ou Senhor de Matosinhos, parando aqui e ali para dançar. “As raízes foram-se perdendo”, mas, entretanto, “fizeram-nas renascer” nas principais ruas do Porto. “Espero que isto não acabe tão cedo. São tradições como esta que nos fazem viver”, afirma Carlos César, antes de se voltar a juntar ao ensaio.

No bar do Orfeão da Foz do Douro, que nas rusgas representa a União de Freguesias de Aldoar, Foz do Douro e Nevogilde, perto de 30 pessoas ensaiam as músicas originais que, na tarde de 2 de Julho, vão apresentar ao júri.

Neste, que é o terceiro ensaio, os conselhos do maestro Afonso Alves são motivo de risota: “A técnica para decorarem a letra é colocarem o papel no tecto do quarto e quando estiverem na cama, trauteiam a canção”, garante.

Também Afonso Alves é repetente nestas andanças. É ele quem compõe as músicas para os poemas que escreve a sua mãe, de 85 anos, e que também participava nas rusgas “quando ainda tinha saúde”. Na memória, o maestro guarda um “momento inesperado”, o prémio que a freguesia da Foz do Douro ganhou na primeira rusga, em 1991.

“Toda a responsabilidade que tive deixou-me demasiado preocupado para pensar que íamos ganhar”, conta, lembrando que à semelhança daquele ano, também neste “a receita é a mesma”. Os ingredientes “estão lá todos”, mas a animação “já não é o que era”, garante Júlia Marques, que em casa ainda guarda as três medalhas que a freguesia ganhou. “Já chegámos a ser quase 200 pessoas, mas agora vem cada vez menos gente”, lamenta.

Ainda que “fresca de uma operação”, Júlia arranja sempre “jeito” para a dança e cantoria: “A rusga tem de ser sempre celebrada com vida, ainda que isso não signifique trazer a medalha para casa, pois ou se tem o convívio, ou se tem a medalha”.

Na antiga escola de Lordelo do Ouro -- a pouco mais de dois quilómetros dos ensaios da freguesia vizinha - procuram-se as luzes para iluminar o pátio e dar início ao ensaio.

Entre os que aguardam pacientemente, mesmo depois de dois anos sem folia devido à pandemia, há quem procure espaço para preparar os alegóricos, como Zé Luis, de 53 anos, que volta a comandar a equipa de montagem. “Isto implica trabalho e muitas horas de dedicação”, conta Zé Luis, que ainda assim, não consegue, ano após ano, escapar ao “bichinho” das rusgas.

“É um momento em que podemos recordar os tempos antigos”, acrescenta, dizendo, no entanto, lamentar que uns não se juntem à festa e que outros não saibam distinguir “o que é uma união de freguesias”. Unir as duas freguesias “é o maior desafio”, confirma também à Lusa Ana Paula Diniz, assistente social daquela união de freguesias.

Ainda que a ponte da Arrábida sirva muitas vezes de argumento para tentar essa união, o “bairrismo” presente em cada uma das freguesias sobrepõe-se, até mesmo durante o desfile. “Ainda notamos que as pessoas não se sentem unidas, mesmo durante a rusga há quem invoque pela própria freguesia”, afirma.

À semelhança de Zé Luis, também Ana Paula não consegue fugir ao “bichinho” com que ficou desde que viu a fadista Amália Rodrigues a abrir as rusgas enquanto madrinha. “Fiquei sempre com isso na memória”, recorda.

Sem Amália, a madrinha este ano será Adelaide Cerqueira, de 69 anos e “mãe de 10 filhos”, que promete “deixar a canadiana de lado” - como tantas vezes faz - e honrar o passado, tentando que a freguesia “não morra na praia” e traga a medalha.

As tradicionais rusgas de São João, uma espécie de marchas populares no Porto, realizam-se no dia 2 de Julho, depois de dois anos de interregno devido à pandemia da covid-19. O desfile passará pela Rua de Santa Catarina, igreja da Trindade, Avenida dos Aliados, entre outras artérias da cidade.

A União das Freguesias de Cedofeita, Santo Ildefonso, Sé, Miragaia, São Nicolau e Vitória será a primeira a exibir-se no cortejo são-joanino, seguindo-se a União de Freguesias de Lordelo do Ouro e Massarelos, Junta de Freguesia de Campanhã, União de Freguesias de Aldoar, Foz do Douro e Nevogilde, Junta de Freguesia de Ramalde, Junta de Freguesia de Paranhos e a Junta de Freguesia do Bonfim. Em 2019, mais de 1.200 participantes desfilaram no tradicional cortejo, que, pelo quarto ano consecutivo, deu a vitória a Campanhã.

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