Biden recebe Bolsonaro para evitar mais uma ausência na Cimeira das Américas

Presidente brasileiro ponderou não participar na cimeira por considerar ter sido ignorado pelo homólogo dos EUA. Agora pretende capitalizar eleitoralmente com o encontro.

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Bolsonaro vai encontrar-se com Biden esta quinta-feira em Los Angeles UESLEI MARCELINO / Reuters

Pelas ruas de Los Angeles já circula nos últimos dias um camião com três ecrãs de grande dimensão em que é mostrada a cara do Presidente brasileiro Jair Bolsonaro acompanhada por frases muito pouco abonatórias, tais como “Não confie em Bolsonaro”, “Bolsonaro ama Trump” ou, mais simplesmente, “Fora Bolsonaro”. O chefe de Estado brasileiro encontra-se esta quinta-feira com o homólogo dos EUA, Joe Biden, e a animosidade não se deve ficar pelas ruas.

A reunião bilateral decorre à margem da Cimeira das Américas, um encontro organizado pela Administração Biden com o objectivo de reconstruir as relações entre Washington e o resto do continente americano, e, segundo a imprensa brasileira, foi um requisito prévio para que Bolsonaro concordasse em tomar parte na iniciativa.

Bolsonaro não esconde o descontentamento pelo distanciamento imposto por Biden desde que chegou à Casa Branca, no início do ano passado. Recentemente, o Presidente brasileiro recordou a última cimeira do G20, realizada em Roma em Outubro, para se queixar do tratamento dado pelo Presidente norte-americano. “Passou como se eu não existisse”, lamentou Bolsonaro, acrescentando que Biden fez o mesmo com os restantes líderes: “Não sei se é a idade”, especulou ainda Bolsonaro, que é 12 anos mais novo que Biden.

A possibilidade de o chefe de Estado brasileiro poder vir a faltar à cimeira gerou alguma preocupação na Casa Branca, sobretudo depois da ausência confirmada do Presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador, que não gostou de ver de fora da lista de convidados representantes da Venezuela, Cuba e Nicarágua. Washington justificou a falta de convite para os três líderes por considerar que não respeitam os princípios da Carta Democrática Interamericana.

O exemplo de Obrador foi seguido pelos governantes de vários países americanos, como Bolívia, Uruguai, El Salvador, Honduras ou Guatemala. Nas semanas que antecederam a cimeira, que regressou à agenda dos EUA depois de um hiato de quatro anos – estava originalmente marcada para 2021, mas foi adiada por causa da pandemia –, as discussões foram dominadas mais pelas ausências dos participantes do que pelos temas em debate. Washington está sobretudo interessado em encontrar formas de gerir os fluxos migratórios no continente e de contrariar a crescente influência chinesa.

A perspectiva da ausência do Presidente do maior país sul-americano na cimeira continental fez soar os alarmes na Casa Branca, que encara o risco real de um esvaziamento do encontro e do falhanço total do objectivo de relançar a posição dos EUA no seu próprio continente. “Os actores internacionais, sobretudo a China, vão observar de forma próxima se os Estados Unidos conseguem enviar o sinal que Biden ambiciona para a cooperação regional em relação a desafios comuns como as migrações, as alterações climáticas e a segurança (energética), ou se a cimeira irá afastar ainda mais os países latino-americanos dos EUA e, portanto, irá oferecer uma oportunidade para desafiar os EUA no seu próprio quintal”, notam os analistas Jan Woischnik e Johannes Hugel, num artigo publicado no site Latinoamerica21.

Para conter os danos, a Casa Branca enviou o ex-senador Christopher Dodd, na qualidade de emissário especial da Cimeira das Américas, a Brasília para convencer Bolsonaro a viajar até Los Angeles. “Não ter o Brasil na mesa teria sido uma bofetada na cara da Administração Biden”, diz ao Financial Times o especialista em Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas, Oliver Stuenkel.

Mas para Bolsonaro um encontro bilateral com Biden, mesmo tendo em conta o abismo ideológico que os separa, possui um valor intrínseco, sobretudo a poucos meses das eleições presidenciais em que a sua manutenção do cargo está altamente posta em causa. As sondagens mostram cada vez mais consolidada a liderança do ex-Presidente Lula da Silva, que até pode nem precisar de uma segunda volta para regressar ao Palácio do Planalto.

“O que Bolsonaro quer realmente é a oportunidade fotográfica”, diz ao FT o professor da Universidade de São Paulo, Felipe Loureiro. “Ele está absolutamente concentrado nas eleições deste ano e quer mostrar aos seus apoiantes e à sociedade em geral que a narrativa de que o Brasil está isolado está errada”, acrescenta.

Antes de sentar com Bolsonaro para a “oportunidade fotográfica”, Biden recebeu uma carta subscrita por mais de 70 organizações da sociedade civil que expôs várias preocupações e críticas à governação brasileira. Os subscritores pedem ao Presidente norte-americano para “defender firmemente a democracia, eleições livres e justas, a acção climática e a protecção essencial da floresta tropical”.

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