Bolsonaro não condena invasão do Capitólio e diz que cenário se pode repetir no Brasil

Presidente brasileiro volta a espalhar dúvidas sobre o sistema de voto electrónico, apesar de ser considerado altamente seguro por todos os especialistas e pela população.

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Sem provas, Jair Bolsonaro continua a dizer que o voto electrónico é permeável a fraudes ADRIANO MACHADO / Reuters

O Presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, aproveitou a invasão do Capitólio em Washington por apoiantes do Presidente dos EUA, Donald Trump, para voltar a semear dúvidas sobre o sistema de votação do seu país. Mesmo não havendo qualquer indício de que o voto electrónico seja mais permeável a fraudes que os boletins de voto impressos em papel.

Ao contrário da generalidade dos líderes mundiais, Bolsonaro não condenou o incidente desta quarta-feira, quando uma multidão de apoiantes de Trump atacou o Capitólio para interromper a certificação dos resultados das eleições presidenciais vencidas pelo democrata Joe Biden. O protesto tinha sido amplamente promovido pelo ainda Presidente norte-americano, que continua a afirmar que houve fraude eleitoral nas eleições de 4 de Novembro.

Em declarações aos jornalistas em Brasília, o Presidente brasileiro disse que um cenário idêntico pode repetir-se no Brasil em 2022, depois das eleições presidenciais. “Se nós não tivermos o voto impresso em 22, uma maneira de auditar o voto, nós vamos ter problemas piores que os Estados Unidos”, disse Bolsonaro.

Não é a primeira vez que Bolsonaro levanta suspeitas acerca do sistema de voto electrónico, que está em vigor no Brasil há mais de 20 anos. Durante a campanha presidencial de 2018, Bolsonaro disse em várias ocasiões que a sua vitória só poderia ser travada se houvesse uma fraude eleitoral. Entre os seus apoiantes são frequentes as trocas de vídeos falsos em que alegadamente se comprovam este tipo de irregularidades.

No entanto, a realidade desmente estas suspeitas. Os responsáveis do Tribunal Superior Eleitoral dizem que a segurança aumentou com a adopção do voto electrónico nos anos 1990 e os escândalos de fraude eleitoral conhecidos no Brasil aconteceram durante o uso do voto em papel. São realizadas pelo menos duas auditorias às urnas antes da abertura das mesas de voto e é impossível piratear os aparelhos, visto não estarem ligados à Internet.

A introdução deste método é considerado um avanço muito importante na história política brasileira, por ter permitido reduzir as disparidades na contagem dos votos entre as zonas urbanas e as áreas rurais, por exemplo na Amazónia, onde o acesso é muito difícil.

Os brasileiros parecem concordar com a opção pelo modelo electrónico, contrariando o seu Presidente. Mais de 70% defende a manutenção deste método, de acordo com uma sondagem recente do instituto Datafolha.

Nenhuma destas evidências parece, no entanto, convencer Bolsonaro e os seus apoiantes que continuam a espalhar desconfiança acerca do sistema de votação. Os argumentos são idênticos aos que Trump usou antes das eleições para desacreditar uma potencial derrota, colocando em causa o voto por correspondência que foi usado em Novembro por grande parte do eleitorado por causa das restrições sanitárias decorrentes da pandemia.

Para Bolsonaro, os distúrbios da véspera em Washington, que causaram quatro mortos, foram resultado da “falta de confiança no voto”. “Lá, o pessoal votou e potencializaram o voto pelos correios por causa da tal da pandemia e houve gente lá que votou três, quatro vezes, mortos que votaram. Foi uma festa lá”, disse o Presidente brasileiro.

Vários tribunais estaduais, federais, e até o Supremo Tribunal apreciaram dezenas de queixas apresentadas por Trump e pelos seus advogados sobre potenciais fraudes, sem nunca lhes dar razão.

No ano passado, Bolsonaro chegou mesmo a dizer ter provas de que houve fraude nas eleições de 2018 que ele próprio ganhou, mas nunca as apresentou.

Com Bolsonaro, o Governo brasileiro quebrou uma tradição de décadas de não privilegiar nenhum candidato às eleições norte-americanas – Bolsonaro não escondeu o seu apoio a Trump, com quem diz manter uma boa relação pessoal. O Governo não se pronunciou sobre o ataque contra o Capitólio. Fontes do Palácio do Planalto dizem tratar-se de uma “questão interna” dos EUA.

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