Boris Johnson sobrevive a moção de desconfiança e agarra-se ao cargo com unhas e dentes

Deputados conservadores chumbam moção para afastar o primeiro-ministro britânico, que ganha um balão de oxigénio de um ano. Resultado mostra, no entanto, um Partido Conservador dividido ao meio. Cento e quarenta e oito tories perderam confiança em Johnson.

Foto
Protesto contra Boris Johnson nas imediações do Parlamento de Westminster, em Londres ANDY RAIN/EPA

Depois de sete longos meses de críticas, denúncias, acusações e pedidos de demissão por causa do escândalo das festas em Downing Street durante a pandemia, o primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, teve menos de 24 horas para convencer os deputados do seu partido a não apoiarem uma moção de desconfiança à sua liderança. E conseguiu.

Exigida no domingo por 15% da representação parlamentar do Partido Conservador na Câmara dos Comuns (pelo menos 54 deputados), convocada na manhã desta segunda-feira e realizada ao final da tarde, a moção foi chumbada por 211 votos contra 148, segundo os resultados divulgados ao início da noite por Graham Brady, líder do grupo parlamentar Committee 1922.

O desfecho da votação era expectável, tendo em conta que seria necessário que pelo menos 180 dos 359 deputados tories se revoltassem contra o seu líder. Para além disso, é suficiente para Johnson manter a chefia do partido e do Governo britânico. Mais: dá ao primeiro-ministro um “salvo-conduto” de 12 meses, durante os quais não poderá ser novamente alvo de uma moção interna.

Os números finais da votação, mostram, no entanto, aquilo que também já se perspectivava: o Partido Conservador, a força eleitoral britânica mais bem-sucedida do último século, que não perde umas legislativas desde 2005, está mais dividida que nunca, e terá de mudar muita coisa se quiser vencer as eleições de 2024.

Através de um curto vídeo partilhado com as televisões britânicas, Johnson falou num “resultado muito bom”, “convincente” e “decisivo”, lembrou que também não tinha muitos apoios quando se apresentou na corrida à liderança, em 2019, e defendeu que agora é possível pôr o “Partygate” “para trás das costas”.

Foto
Boris Johnson depois de saber que enfrentaria uma moção de desconfiança TOLGA AKMEN/EPA

“Início do fim?”

Prova da desunião entre os conservadores foram os comentários de Jacob Rees-Mogg ainda antes de a moção ir a votos. O secretário de Estado para as Oportunidades do “Brexit” – um dos membros mais radicais da facção eurocéptica do Partido Conservador – disse que o “núcleo duro das pessoas que querem ver-se livres do primeiro-ministro” são “remainers descontentes” que ainda estão a “pensar na Europa”.

Uma acusação no mínimo discutível, tendo em conta que uma das vozes que se levantaram contra Johnson foi a de Steve Baker, ex-líder do grupo do European Research Group – composto por deputados conservadores brexiteers na Câmara dos Comuns –, considerado o arquitecto da campanha interna para afastar Theresa May e colocar Boris Johnson no seu lugar.

O exemplo de May também serve para sublinhar que Johnson está longe de estar seguro no cargo, mesmo depois desta votação. Depois de também ter ultrapassado uma moção de desconfiança, em Dezembro de 2018, e numa altura em que, em plena batalha do “Brexit”, estava muito isolada internamente, a antiga primeira-ministra acabou por cair seis meses depois.

Na oposição, acredita-se, por isso, que esta vitória “pírrica” do primeiro-ministro tory, somada aos resultados pouco convincentes do Partido Conservador nas eleições locais do passado dia 5 de Maio e às sondagens que colocam o Partido Trabalhista na primeira posição das intenções de voto, a nível nacional, é, na verdade, “o início do fim” de Boris Johnson.

“A História mostra-nos que isto é o início do fim. Se olharmos para anteriores exemplos de moções de desconfiança, mesmo aqueles em que os primeiros-ministros tories sobreviveram (…), os danos já estavam causados e eles acabam, normalmente, por cair relativamente rápido depois disso”, afirmou Keir Starmer, líder do Partido Trabalhista.

Bola de neve

A convocatória da moção desta segunda-feira foi o culminar de um longo período de contestação a Boris Johnson por causa do “Partygate”.

Se a oposição foi sempre unânime nos pedidos de demissão do líder tory, as vozes críticas dentro do Partido Conservador foram, durante largos meses, uma minoria. Até subiram de tom em Fevereiro, mas a guerra na Ucrânia e a crise económica britânica mudaram as “prioridades políticas” do Governo e do país, e fizeram recuar os opositores internos.

Quando foi revelado que o primeiro-ministro e o ministro das Finanças, Rishi Sunak, constavam da lista de 80 pessoas que foram multadas pela polícia, por terem participado em várias festas e convívios na sede do Governo, em Londres, durante períodos de confinamento ou de proibição de ajuntamentos, violando as regras do combate à covid-19, voltou a haver barulho na bancada conservadora, mas sem grandes revoltas.

Nessa altura, em meados de Abril, Johnson tornava-se o primeiro chefe de Governo britânico a ter cometido um crime em funções. E foi então que a bola de neve cresceu.

Primeiro, todos os deputados do Partido Conservador juntaram-se a uma proposta da oposição, que autorizou uma comissão parlamentar a averiguar se Johnson mentiu deliberadamente ao Parlamento sobre o escândalo das festas.

Depois, o partido teve um desempenho sofrível nas eleições locais de 5 de Maio, perdendo localidades inglesas importantes e sendo ultrapassado na Escócia pelos trabalhistas, caindo para a posição de terceira força política no território.

A machadada final na estratégia do Governo para (tentar) virar a página do escândalo das festas deu-se com a divulgação das conclusões de um relatório interno, elaborado pela funcionária pública Sue Gray, que ofereceu descrições pormenorizadas de vários convívios em Downing Street.

Gray denunciou “múltiplos exemplos de falta de respeito e de tratamento insatisfatório do staff da segurança e das limpezas”, exibiu fotografias de Johnson a fazer brindes e exigiu “responsabilidades” à “liderança política e civil” pela “cultura” de festas no edifício governamental.

Johnson reagiu dizendo ter ficado “surpreendido e desiludido” com os pormenores da investigação, lembrou que já tinham sido operadas mudanças na estrutura organizativa de Downing Street e voltou a pedir desculpa. Mas manteve a tese de que achava que os eventos em que participou eram “eventos de trabalho”

Pragmatismo tory

Depois de terem andado a chutar para a frente, durante vários meses, um confronto com os deputados conservadores, Boris Johnson e a sua equipa tentaram transformar a votação desta segunda-feira num evento de reforço da sua posição e legitimidade políticas e numa “oportunidade de ouro” para “acabar com meses de especulação” e permitir que o Governo “siga em frente, para responder às prioridades da população”.

O primeiro-ministro enviou cartas, fez telefonemas e discursou perante os deputados, numa reunião à porta fechada, destacando a campanha de vacinação contra a covid-19, na estratégia de apoio à Ucrânia e a resposta ao aumento do custo de vida no país. Prometeu um novo plano de crescimento, comprometeu-se a baixar os impostos, e bateu, inclusivamente, no peito pelo seu estatuto de “vencedor de eleições” e de mobilizador popular.

O facto de grande parte dos deputados terem sido elementos escolhidos a dedo para umas eleições legislativas – em 2019 – que foram disputadas sob a bandeira do “Brexit” e na sequência de uma verdadeira guerra civil no partido, encheu Johnson e os seus aliados de esperança.

E uma vez contados todos os votos, o número de apoios ao primeiro-ministro foi suficiente para derrotar os deputados que o querem ver pelas costas.

Nada garante porém, que o balão de oxigénio de 12 meses que foi atribuído a Boris Johnson nesta segunda-feira não se possa esvaziar num futuro próximo. Para muitos deputados do Partido Conservador que agora se mobilizaram para tentar derrubar o seu líder, não é apenas a reputação do primeiro-ministro que está em jogo, mas a do próprio partido.

Os resultados eleitorais de Maio mostraram que as perspectivas eleitorais dos tories para as eleições legislativas de 2024 podem ser muito pouco animadoras.

Há quem fale, por um lado, numa possível alteração destas regras num futuro próximo, reduzindo o período de um ano de segurança para o primeiro-ministro; e depois há o pragmatismo tory.

Tantas vezes referido pelos militantes como o mais importante trunfo eleitoral e político do partido – foi ele, por exemplo, que fez cair Theresa May para permitir que Boris Johnson resolvesse o pântano do “Brexit” –, o pragmatismo conservador pode voltar a bater à porta, caso exista um consenso partidário de que o actual líder não é a melhor escolha para disputar as próximas eleições. E 2024 está aí ao virar da esquina.

Sugerir correcção
Ler 2 comentários