A música dos Mão Verde fala de ecologia às crianças, mas “não se quer infantil”

Grupo liderado pela rapper Capicua faz “canções luminosas” sobre temas sérios, que vão da crise climática ao consumo consciente. Segundo livro-disco do projecto foi editado a 21 de Março.

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Capicua diz sempre ter achado que "as crianças têm um interesse muito intuitivo e natural pelas coisas do planeta" ADRIANO MIRANDA

Os Mão Verde descrevem a sua música como um lugar cheio de “rimas e lengalengas sobre plantas, animais, pessoas, insectos, flores, frutos, coisas sérias e coisas boas”. Composto pela rapper Capicua, pelo guitarrista Pedro Geraldes e pelos multi-instrumentistas António Serginho e Francisca Cortesão, o grupo faz música pedagógica que fala às crianças de assuntos urgentes, das alterações climáticas à extinção de espécies, da ameaça dos microplásticos à sustentabilidade. O desafio, esclarece Capicua, passa muitas vezes por “pegar em temas tristes e transformá-los em canções luminosas”, sem que a “seriedade” desses mesmos temas seja esquecida ou posta de lado. O segundo álbum da banda, o simplesmente intitulado Mão Verde II, é um livro-disco (com ilustrações do artista Mantraste) e foi lançado a 21 de Março.

O projecto começou em 2015, quando Capicua foi convidada pelo Teatro Municipal São Luiz, em Lisboa, a fazer uma série de concertos para crianças. Mesmo sabendo que “teria de criar repertório de raiz”, a rapper respondeu positivamente ao repto da instituição, desafiando o companheiro Pedro Geraldes (co-fundador dos Linda Martini, banda que deixou em Fevereiro deste ano) a compor os instrumentais de várias canções.

O tema da “educação ambiental”, lembra Capicua, surgiu não por solicitação do teatro, mas por sua própria vontade. “Decidi escrever as músicas em torno do tema da ecologia porque as causas que me são mais queridas costumam estar presentes no meu trabalho, e eu sentia que, apesar de me interessar muito por agricultura, ecologia e consumo consciente, essas temáticas ainda não tinham surgido de forma significativa nas minhas letras até então”, explica.

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Pedro Geraldes e Capicua são pais de um filho de três anos ADRIANO MIRANDA/PUBLICO

Capicua encarou a oportunidade de tocar para um público infantil como o pretexto ideal para falar desses assuntos. “Sempre achei que as crianças têm um interesse muito intuitivo e natural pelas coisas do planeta”, afirma a artista. “Elas gostam de mexer na terra e observar os insectos porque há um encantamento associado às primeiras descobertas, aos primeiros olhares. Nós vamos perdendo isso ao longo da vida, mas, quando nos tornamos pais, acabamos por renovar o nosso olhar, porque estamos a ver alguém a descobrir o mundo pela primeira vez.”

Capicua não era mãe quando gravou Mão Verde I (2016), mas ela e Pedro têm hoje um filho de três anos. E há no novo disco duas canções que falam sobre a criança e a experiência da maternidade (são elas Framboesas, escavadoras e dinossauros e O pequeno ditador).​

A maternidade, garante a rapper, influenciou de forma positiva o processo de escrita das canções. “No primeiro disco, tentei simplificar a linguagem. No segundo, por já ter a experiência da maternidade, achei que não precisava de fazer isso. As palavras complicadas são apenas um pretexto para conversarmos em família sobre o que elas querem dizer”, argumenta.

Será que “plâncton” é uma “palavra complicada” para os mais pequenos? Um dos temas de Mão Verde II chama-se Plástico não é plâncton. Remete para a forma como os microplásticos podem comprometer ecossistemas marinhos e a qualidade das águas. O livro que vem com o disco inclui não só a letra da música, mas também uma nota informativa que explica tanto o que é o plâncton como aquilo que leva à formação de grandes ilhas de lixo.

Há uma nota por canção. Elas estão lá para, como Capicua resume, acrescentar uma “dimensão ainda mais pedagógica ao trabalho artístico”. Explicam às crianças o cerne das questões que cada tema levanta. E foram escritas por Luís Alves, proprietário do Cantinho das Aromáticas, empresa agrícola sediada em Vila Nova de Gaia que produz e comercializa ervas aromáticas secas. Luís Alves, que já havia escrito notas informativas para as músicas de Mão Verde I, dá ainda, no livro, algumas “dicas práticas” para “as pessoas terem comportamentos mais ecológicos em família”.

Ilustração do novo livro-disco dos Mão Verde, que conta com distribuição da editora independente Planeta Tangerina Mantraste
Ilustração do novo livro-disco dos Mão Verde, que conta com distribuição da editora independente Planeta Tangerina Mantraste
Ilustração do novo livro-disco dos Mão Verde, que conta com distribuição da editora independente Planeta Tangerina Mantraste
Ilustração do novo livro-disco dos Mão Verde, que conta com distribuição da editora independente Planeta Tangerina Mantraste
Ilustração do novo livro-disco dos Mão Verde, que conta com distribuição da editora independente Planeta Tangerina Mantraste
Ilustração do novo livro-disco dos Mão Verde, que conta com distribuição da editora independente Planeta Tangerina Mantraste
Ilustração do novo livro-disco dos Mão Verde, que conta com distribuição da editora independente Planeta Tangerina Mantraste
Ilustração do novo livro-disco dos Mão Verde, que conta com distribuição da editora independente Planeta Tangerina Mantraste
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Ilustração do novo livro-disco dos Mão Verde, que conta com distribuição da editora independente Planeta Tangerina Mantraste

Músicas que vão “brincando aos estilos de música”

A música dos Mão Verde não é, de resto, “só” para crianças. Não segundo a óptica de Capicua, que ao vivo costumava apresentar o primeiro disco do projecto como “música para crianças que não se quer infantil”. Similarmente, este novo álbum vem sendo descrito pela rapper como “música para verdes e maduros”.

A vocalista diz que “tanto as crianças como os adultos se divertem muito” nos espectáculos do grupo. “Há nas letras uma certa ironia, ‘piadas privadas’ que só os adultos entendem”, afirma, referindo-se sobretudo às músicas que “vão brincando aos estilos de música”.​

Essas músicas são músicas que partem de vários trocadilhos. A banda viu no tema Marcha da Greta — que, como o nome permite antever, remete para as marchas pelo clima e o papel da activista sueca Greta Thunberg — o pretexto para, fazendo um jogo de palavras, compor “uma marchinha lisboeta”. Já Guacamole, que, relata Capicua, fala do “amor incondicional que temos pelo abacate” e da “importância de consumirmos frutos da época”, é “uma música mexicana”, inspirada no trabalho de figuras como a cantora Chavela Vargas (1919-2012). Há ainda, por exemplo, Panc, que aborda as designadas plantas alimentícias não convencionais (PANC) e é um tema com uma sonoridade punk.

“Essas ironias somos nós a comunicar com os pais”, refere Capicua, que tem uma horta com Pedro desde o início da década passada. Horta essa que tem dado ao casal a possibilidade de aprender “muitas lições de humildade e perseverança”. “Uma pessoa aprende a entender o tempo das coisas e a contornar obstáculos — os caracóis que nos comem as couves, as ervas que temos de controlar... Há pessoas que têm uma tradição rural: já se relacionam com a natureza há muitos anos e associam a agricultura ao trabalho. Para nós, que somos pessoas mais urbanas, a horta é uma forma de nos reencontramos com a natureza”, admite Capicua.

Falando sobre o desafio que é escrever pedagogicamente sobre temas difíceis, a rapper diz que, de todas as canções do novo disco, Dodó e a Arca de Já-Não-É foi a que lhe deu mais trabalho. “O dodó é aquela figura mítica que simboliza todos os animais extintos e a ‘Arca de Já-Não-É’ é a arca dos animais desaparecidos”, explica, salientando que “é difícil não fazer uma canção muito triste” a partir de tal temática. A partir de uma série de rimas, Capicua enumera várias espécies em vias de extinção que não desejam entrar na arca. Já “o dodó, que é o condutor, diz que não quer mais ninguém na arca, que já não há espaço para mais ninguém”. É assim que os Mão Verde tentam fazer algo “solar” a partir de matérias delicadas e extremamente complexas.​

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