Um “25 de Abril da justiça” é preciso!

A justiça vem sendo permanentemente desvalorizada. Basta olhar para a manifesta falta de meios humanos e para a carência de meios informáticos ou para deficientes instalações.

Na semana em que comemoramos os 48 anos do 25 de abril e uma semana após a cerimónia solene de abertura do ano judicial, uma pergunta se impõe: o direito à justiça é um direito fundamental?

Apesar de a Constituição ter este direito claramente consagrado como um direito fundamental e de afirmar que a justiça é administrada em nome do povo, é evidente o desinvestimento neste pilar estruturante da democracia.

A justiça vem sendo permanentemente desvalorizada. Basta olhar para as condições humanas - manifesta falta de meios humanos - e materiais - carência de meios informáticos e deficientes instalações.

Falando em concreto das advogadas e dos advogados, também o seu papel social tem sido constantemente desvalorizado, bem como a sua importância fundamental no acesso dos cidadãos mais carenciados aos tribunais.

A face mais visível desta desvalorização é a inexistência inexplicável e inaceitável de uma atualização digna da tabela de honorários para as advogadas e advogados inscritos no Sistema de Acesso ao Direito e aos Tribunais (SADT). Estamos sem uma atualização digna desse nome há mais de 17 anos!

Em 2020, foi feita uma atualização - podemos mesmo chamar-lhe assim? - de oito cêntimos (!!), injustificável e insignificante para quem, todos os dias, apoia judicialmente quem mais precisa.

Somos nós - todos nós, advogadas e advogados - que sustentamos o SADT. Só em Lisboa são cerca de meio milhão de euros por ano em custos administrativos com a gestão do SADT. Para que não existam dúvidas, são os profissionais da classe que suportam, com as suas quotizações, o sistema de apoio social, o direito constitucionalmente consagrado. Isto é inédito em Portugal. Nenhuma outra classe profissional o faz.

Sublinhe-se, igualmente, que é urgente que o direito de escolha em relação ao sistema de previdência, decidido pelas advogadas e pelos advogados em referendo, seja concretizado pelo poder político e que aqueles conheçam as condições em que poderão exercer essa escolha, bem como as consequências da opção pela Segurança Social ou pela CPAS.

Outra evidência da desvalorização do sistema são as referências à justiça nos programas dos partidos políticos ou em declarações públicas. São, regra geral, proclamações genéricas contra a sua morosidade e contra a corrupção, sound bites que ainda vão valendo alguns votos, ideias feitas e intenções em que todos reconhecem a bondade mas que, regra geral, têm poucos - ou nenhuns - reflexos práticos.

A consequência desta falta de investimento na justiça é óbvia e está à vista de todos: um afastamento crescente entre os cidadãos e os tribunais, ancorado numa descrença no sistema e, também - naturalmente -, nos elevados custos processuais. E este último ponto é, de facto, relevante, pois promove um afastamento entre cidadãos e justiça pela via económica. É preciso dizê-lo com clareza: as elevadas custas judiciais desincentivam o recurso aos tribunais.

Acresce a tudo isto um claro problema de comunicação do sistema judicial com a sociedade que se revela na forma como algumas decisões judiciais surgem na comunicação social, sem qualquer preocupação com o alarido social que provocam. Pior: sem que os cidadãos consigam perceber por que razão essas decisões são tomadas. E a justiça deve-nos essa explicação!

Quando se celebram 48 anos de liberdade e de democracia, importa fazer estas reflexões, ou não fosse a justiça um dos pilares fundamentais do Estado de Direito Democrático.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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