Educação para a paz como sentido de vida

Não é contraditório afirmar-se que, apesar da presença da violência e da ameaça à segurança pessoal que envolve a comunidade escolar, esta continua a ser, na maioria dos casos, o lugar mais seguro para as crianças e os adolescentes.

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A Escola deve orientar-se mais no sentido da preparação para a Vida e para a Cidadania, promovendo o desenvolvimento de um pensamento livre, cooperante, tolerante e respeitador dos direitos dos outros tiago lopes (arquivo)

Inúmeras medidas foram já propostas, ensaiadas e implementadas, no sentido de combater as formas de violência nas escolas ou nas áreas circundantes e de minorar as suas consequências. No entanto, importa ter presente que, muitas vezes, como sustenta Edgar Morin, “o possível é impossível e nós vivemos num mundo impossível, onde é impossível atingir a solução possível”.

Múltiplas ações concertadas foram identificadas como resposta a cada tipo específico de violência, mas seriam necessárias tantas reformas simultâneas e convergentes, que as mesmas se tornariam aparentemente impossíveis, dada a enormidade das forças contrárias.

Não pretendemos concluir que estamos inelutavelmente condenados. Muito longe disso. Para lá da fatalidade da violência nas sociedades e por arrastamento as escolas, e da aparente improbabilidade de a combater com sucesso, será preciso querer (e saber) arriscar.

O caso recente da aluna atacada com uma arma branca no interior de uma escola leva-nos a refletir sobre o papel e missão da Escola e da disciplina de Cidadania, como ponte para uma educação para a paz como sentido de vida.

Este caso não é único, nem infelizmente será o último. Em muitas escolas registam-se episódios de violência, pelo que as soluções passam, também, por não se ignorar que o problema existe. A atitude mais realista consistirá em proceder a uma análise rigorosa das causas, antes que se agravem.

Algumas dessas causas estão bem identificadas. Abordemos uma, que se prende com o que podemos designar por “apartheid social”.

Este fenómeno continua a remeter para bairros suburbanos algumas franjas da população — camadas desfavorecidas e grupos minoritários urbanos — assim potenciando a perceção de formas de segregação que constituem, por si, nichos onde os comportamentos violentos proliferam.

Estas comunidades trarão, forçosamente, para a Escola jovens pertencentes ao chamado mundo dos out, juntando-os aos pertencentes ao dito mundo dos in, numa convivência nem sempre pacífica nem fácil de conciliar.

Nos dias de hoje, a Escola, nomeadamente a situada em zonas tidas como problemáticas, não pode deixar de ser uma instituição segura aos olhos dos pais e da comunidade, que nela entregam os seus filhos. Mesmo alguns professores manifestam algumas preocupações com a sua segurança, inclusivamente no interior da própria sala de aula.

Em consequência, a Escola, que já foi considerada zona de proteção face à violência externa, passou, também ela, em muitos casos, e no seu interior, a ser encarada como zona de perigo.

Enquanto professores, temos certa relutância e — porque não declará-lo — algum medo em nos confrontarmos com a violência de grupos organizados, de passadores de droga ou de alunos portadores de comportamentos violentos, que frequentam as nossas escolas. Nem admira que assim seja. Os professores são preparados para trabalhar em escolas e não em zonas de risco.

Torna-se necessário que, na sua formação inicial — segundo é defendido pelo paradigma etnográfico —, os professores sejam colocados no terreno em situações de estágio ativo, agindo e aprendendo a refletir sobre fenómenos, culturas e comportamentos sociais, com que terão de lidar no seu dia-a-dia, pois será essa a realidade que muitos irão encontrar nas escolas.

A natureza e a extensão dos comportamentos violentos, que ocorrem em espaços escolares, estão em constante mudança e em crescimento por todo o mundo; Portugal não é nem será exceção.

Importa, pois, apontar na direção de diferentes formas de intervenção e de orientação, de políticas específicas, bem definidas, para ajudar as escolas a promoverem um clima mais seguro e saudável, propício ao seu desenvolvimento interno e contagiante da sua envolvente comunitária. Será da mais elementar justiça referir que muito, e bem, se tem trabalhado neste campo, o que não invalida que continuem a registar-se casos graves.

Caberá à Escola demonstrar às crianças, através de exemplos concretos, desde a sua fase mais precoce, que o conflito, em si mesmo, não é necessariamente mau e que este pode e deve ser transformado em criatividade, em cooperação, através de aptidões específicas de atenção, empatia e mediação, transformando comportamentos inadequados em lições de cidadania e de valores humanistas.

Inúmeras crianças vivem num ambiente familiar não violento. Mas outras assistem, diariamente, a cenas dramáticas de violência doméstica. Outras, ainda, testemunham ou são alvo de abusos sexuais e muitas sofrem, física e psicologicamente, os efeitos do seu permanente estado de abandono.

Não é contraditório afirmar-se que, apesar da presença da violência e da ameaça à segurança pessoal que envolve a comunidade escolar, esta continua a ser, na maioria dos casos, o lugar mais seguro para as crianças e os adolescentes. E assim terá de continuar a ser!

A noção descabida de que a Escola deveria ser um “paraíso” foi um conceito que, em Portugal, encontrou suporte nas “leis” das escolas do Estado Novo. Cabia, assim, unicamente ao professor a missão de ensinar as matérias estritamente curriculares e ao aluno o simples papel de aprender. Tudo o resto era periférico. Nada de mais errado, como as Ciências da Educação e a História têm provado.

Os educadores terão de se empenhar num ensinamento sistemático de comportamentos não violentos, que conduzam os alunos ao entendimento do verdadeiro sentido do respeito pelos direitos humanos; levá-los a interiorizar e a aceitar o princípio de que existem outras perspetivas, pontos de vista diferentes dos seus, que devem ser respeitados.

A mensagem de uma nova pedagogia passa por saber reconhecer e aceitar as diferenças, estabelecer com os outros relações construtivas e de tolerância, resolver os conflitos de modo não violento e, democraticamente, aceitar as resoluções das maiorias.

Estes são alguns conceitos de fundo, que têm de ser entendidos e aplicados pela Escola e que, a par das aprendizagens cognitivas, têm de ser aplicados nas relações interpessoais.

A Escola deve orientar-se mais no sentido da preparação para a Vida e para a Cidadania, promovendo o desenvolvimento de um pensamento livre, cooperante, tolerante e respeitador dos direitos dos outros. Uma postura não violenta — uma verdadeira Educação para a Paz.

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