Como se ensina o que sabemos não ser preciso?

Tentamos levar uma vida normal, de estudos, planificações, testes, avaliações, e tudo o mais que fazíamos antes da pandemia. De novo, isto de normal tem muito pouco.

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Refugiados ucranianos a chegar a Portugal RODRIGO ANTUNES/Lusa

Agora que as restrições por causa da pandemia abrandaram, e estamos a começar a viver novamente um “novo normal”, alguém achou que era uma boa altura para começar uma guerra.

Parece que o novo normal é cheio de incertezas. Não sabemos o que virá a seguir, ou sequer como vai correr esta guerra que está no início, dizem os especialistas em relações internacionais. Por cá, tentamos levar uma vida normal, de estudos, planificações, testes, avaliações, e tudo o mais que fazíamos antes da pandemia. De novo, isto de normal tem muito pouco.

O que aprendeu a escola nestes dois anos? Que temos de ser mais digitais? Que temos de intensificar o ensino à distância e apetrechar as escolas com os aparelhos e competências para, quem sabe, fazer face a outra necessidade semelhante?

Com a guerra na Ucrânia e o acolhimento de refugiados, pensamos no ensino do Português Língua Não Materna (PLNM) e pouco mais. Como se ensina aquilo que pode ser preciso e que não sabemos o que é? Como se capacita para o desconhecido e não programável?

Nestas alturas de crise, verificamos que há competências que devem estar prontas a ser reactivadas ou a ser aprendidas pela primeira vez. São elas competências emocionais e competências sociais de aprendizagem. A criatividade, inovação e empreendedorismo são postas à prova em momentos de tensão e luta por um bem maior, seja a saúde colectiva ou a paz no mundo.

Como é que se chega à idade adulta, a idade em que se tomam decisões, com estas competências desenvolvidas? Como é que se consegue promover a apropriação e desenvolvimento destas competências em idade escolar? A educação tornou-se, há umas décadas, num processo quase exclusivo de notas, de testes e de desenvolvimento de competências técnicas, em detrimento da formação integral.

Mesmo aqueles professores e escolas que se dedicam à formação do ser humano como um todo, no final do percurso têm de fazer face a testes e exames onde as competências técnicas são determinantes para a progressão.

Acontece que a motivação para aprender com sucesso, o bem-estar, o sentir a escola como um espaço seguro de felicidade, a performance escolar e o sentido de eficácia não se promovem com mais horas de estudo técnico. Em resumo, para sermos bem-sucedidos temos de ter desenvolvido a perseverança, tenacidade, resiliência, e um mindset positivo para a aprendizagem.

Como podem os professores desenvolver estas competências nos seus alunos? Aqueles professores que querem fazer um trabalho duradouro e eficaz pensam no processo ensino-aprendizagem não exclusivamente do ponto de vista da didáctica da disciplina, mas do ponto de vista cognitivo-emocional da aprendizagem com sucesso. Esta tarefa cabe às universidades na formação de professores, à formação de professores ao longo da vida, aos administradores e directores escolares que têm a obrigação de actualizar a formação que dão aos seus colaboradores, no sentido de os capacitar com ferramentas que possam ser úteis em qualquer fase da vida, sob qualquer circunstância e em qualquer lugar do mundo.

As competências sociais e emocionais de aprendizagem fazem parte da Grelha Europeia de Competências de Aprendizagem ao Longo da Vida (European Framework of Key Competences for Lifelong Learning, 2006), a par das Competências Digitais e da comunicação em Língua Materna e Línguas Estrangeiras, Competências Matemáticas e Competências Básicas em Ciência e Tecnologia.

A filosofia Ubuntu que agora tem tido algum destaque, não é mais do que apenas uma parte e uma perspectiva de como estas competências podem ser tratadas e trabalhadas. É necessária uma visão ampla, que consiga comportar a diversidade cultural, inclusão, que confira sentido de pertença e equidade.

Abraçar, e apenas para alguns, uma única via é estreitar à partida o sentido abrangente que em si mesmo o assunto encerra. A urgência da promoção de competências emocionais e sociais de aprendizagem, a par de outras igualmente importantes, darão aos futuros cidadãos a capacidade para saberem lidar com o imprevisto, o instável, a diversidade, garantindo a confiança em si mesmos na inovação e empreendedorismo, na capacidade de vencerem obstáculos, planificando as necessárias acções com optimismo, que lhes dê esperança na sua visão de futuro, na visão de futuro colectiva. Afinal é isto que os líderes fazem.

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