EUA: Escândalo do acesso à universidade, que levou a actriz Felicity Huffman à prisão, chega a tribunal

Depois das figuras mais mediáticas, como as actrizes Felicity Huffman e Lori Loughlin, terem assumido a culpa, chegou a vez de poderosos executivos se sentarem no banco dos réus.

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Felicity Huffman e o marido William H. Macy à saída do tribunal em Boston, em 2019 - a actriz foi a primeira pessoa a assumir a culpa KATHERINE TAYLOR/REUTERS

Dois executivos seniores são chamados, nesta segunda-feira, a responder em tribunal no âmbito da operação Varsity Blues, que investigou o escândalo das admissões universitárias nos Estados Unidos. Os dois homens são acusados de pagar subornos para que os seus filhos fossem admitidos numa universidade de elite do país. A mesma acusação que pendeu sobre Felicity Huffman da série Donas de Casa Desesperadas e sobre Lori Loughlin, conhecida pelo seu papel nas séries Que Família! e Fuller House. 

Gamal Aziz, de 64 anos, ligado ao negócio dos casinos; e John Wilson, 62, que fundou uma empresa de fundos de investimento, são acusados de conspirar com William “Rick” Singer, consultor de admissões universitárias da Califórnia, que anteriormente se confessou culpado no esquema.

Os procuradores alegam que os dois pais procuraram assegurar, de forma fraudulenta, vagas para os seus filhos na universidade. Estes foram apresentados como falsos atletas, para que obtivessem bolsas de estudo para desportistas. Os pais pagaram centenas de milhares de dólares. Ambos os homens negam má conduta, dizendo que acreditavam que o dinheiro era uma doação às universidades, e não um suborno.

A acusação afirma que Aziz concordou, em 2018, com o pagamento de 300 mil dólares (mais de 250 mil euros) para assegurar a entrada da sua filha na Universidade do Sul da Califórnia como um talento do basquetebol, subornando um funcionário. Já sobre Wilson pesam mais acusações: os procuradores acusam-no de, em 2014, ter pagado 220 mil dólares (em torno de 185 mil euros) para que o seu filho entrasse na mesma faculdade como um praticante de pólo aquático e, mais tarde, tentou assegurar vagas em Stanford e Harvard para outras duas filhas através de um suborno de 1,5 milhões de dólares (1,27 milhões de euros).

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John Wilson, à direita, é acusado de, em 2014, ter subornado funcionários da Universidade do Sul da Califórnia e de tentar fazer o mesmo com membros da Stanford e de Harvard Reuters/BRIAN SNYDER (arquivo)

Um júri federal em Boston ouvirá, esta segunda-feira, as declarações de abertura do julgamento, com duração prevista de até quatro semanas. O juiz marcou dois julgamentos colectivos para os pais que se declararam inocentes. Aziz e Wilson são os primeiros; outros pais serão julgados em Janeiro.

Tanto Gamal Aziz como John Wilson foram acusados, no início de 2019, juntamente com dezenas de executivos de empresas e celebridades. O escândalo expôs até onde os pais ricos vão para conseguir vagas para os seus filhos nas escolas de topo e revelou as desigualdades de acesso ao ensino superior. “Isto diz muito, nem tudo bom, sobre a forma como as pessoas neste país lidam com as admissões universitárias”, avaliou o antigo procurador federal em Massachusetts Andrew Lelling, que apresentou o caso pela primeira vez.

Ao todo, 57 pessoas foram acusadas desde 2019, incluindo as actrizes Lori Loughlin e Felicity Huffman. As duas, porém, assim como outras 46 pessoas, assumiram a culpa.

Aziz é o antigo presidente da Wynn Resorts Limited, empresa sediada em Paradise, Nevada, que actua no sector de desenvolvimento e operação de hotéis e casinos de luxo; enquanto Wilson é um antigo executivo das multinacionais Gap Inc e Staples Inc, que fundou a Hyannis Port Capital.

Os procuradores dizem que Singer, através do seu negócio de aconselhamento universitário, The Key, ofereceu não só serviços legítimos aos pais preocupados com as perspectivas universitárias dos seus filhos, mas também a utilização de uma espécie de porta do cavalo para garantir a admissão dos jovens estudantes.

Depois de se ter declarado culpado, em 2019, Singer ainda não foi condenado nem ouviu a respectiva sentença, tornando-se a testemunha-chave da acusação. No entanto, na sexta-feira, os procuradores disseram que não estão a ponderar chamá-lo a depor.

Operação Varsity Blues

Acusações

Os procuradores federais acusaram 57 pessoas no maior esquema de fraude de admissões universitárias jamais descoberto nos Estados Unidos. Nele, pessoas abastadas tentaram obter vagas nas universidades de elite do país para os seus filhos, falsificando exames de admissão e subornando treinadores para que os jovens passassem por atletas recrutados.

Entre os arguidos estão os pais, o consultor que criou o esquema e treinadores universitários.

Culpados

Quarenta e seis pessoas, incluindo 32 pais, declararam-se culpadas. Entre os arguidos que assumiram a culpa, está William “Rick” Singer, consultor de admissões universitárias da Califórnia, que concebeu o esquema.

Os pais que se declararam culpados incluíram as actrizes Lori Loughlin e Felicity Huffman; o marido de Loughlin, o designer Mossimo Giannulli; o antigo executivo da empresa de investimentos TPG Capital Bill McGlashan; Michelle Janavs, cuja empresa de família criou a Hot Pockets, o lanche de micro-ondas; e o antigo CEO da Hercules Capital Inc, Manuel Henriquez.

Embora os procuradores federais tenham dito que não houve mais ninguém com vontade de se dar como culpado, a Reuters avança que o advogado de Gordon Ernst, um antigo treinador de ténis da Universidade de Georgetown, está em conversações com o Ministério Público.

Reclamam inocência

Os dois pais em julgamento, esta segunda-feira, continuam a reclamar a sua inocência, mas não são os únicos. Em Janeiro, serão julgados o médico oncologista Gregory Colburn e a mulher Amy, assim como o empresário I-Hin “Joey” Chen.

Vários treinadores universitários também negaram a prática de actos ilícitos. Em Novembro, vão a julgamento Jovan Vavic, antigo treinador de pólo aquático da Universidade do Sul da Califórnia; Donna Heinel, antiga directora desportiva da escola; e William Ferguson, antigo treinador de voleibol da USC e da Universidade de Wake Forest.

Sentenças

Singer, que aceitou testemunhar contra os pais e treinadores, ainda não foi condenado.

Já as actrizes Lori Loughlin e Felicity Huffman receberam dois e cinco meses de prisão, respectivamente, ainda que não tivessem cumprido a totalidade das penas. Douglas Hodge, antigo chefe executivo da empresa de investimento Pimco, recebeu a sentença mais longa de qualquer arguido: nove meses de prisão.

Os pais também perderam postos de trabalho, tiveram de pagar elevadas coimas e prestar serviço comunitário. Além do tempo de prisão, Hodge, por exemplo, recebeu dois anos de liberdade condicional, 500 horas de serviço comunitário e uma multa de 750 mil dólares (637 mil euros).

Nas últimas horas que passou na Casa Branca, o ex-presidente Donald Trump assinou 140 perdões. Entre estes estava o perdão a um dos pais: o investidor Robert Zangrillo.

Jovens

Nenhum dos jovens foi acusado no caso. A maioria dos pais disse, aliás, que os seus filhos não tinham conhecimento do que se passara.

Quando o escândalo rebentou em 2019, faculdades como Yale, Georgetown e Stanford retiraram as ofertas de admissão ou expulsaram estudantes. A filha de Huffman estava a voar para uma audição na aclamada Juilliard, escola de música, dança e dramaturgia de Nova Iorque, quando a escola anulou o convite.

Mas um pequeno número dos jovens em causa foi autorizado a matricular-se ou a permanecer matriculado.

Os adolescentes também se viram confrontados com o embaraço público. Uma mãe disse ao tribunal que a sua filha começou a ter ataques de pânico e as duas filhas de Michelle Janavs foram proibidas pela sua escola secundária privada de estar no campus e de participar em eventos, incluindo a formatura e o baile de finalistas.

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