“To hub or not to hub”, eis a questão

Muito se tem falado sobre o hub de Lisboa e sobre a sua importância. A esmagadora maioria dos aeroportos europeus e mundiais não é hub. E não é por isso que deixam de ser relevantes nem de desempenhar o seu papel económico fundamental.

Muito se tem falado sobre o hub de Lisboa e sobre a sua importância. Tentemos, por isso, esclarecer conceitos, benefícios e inconvenientes e, com isso, permitir refletir com maior conhecimento de causa sobre a questão do hub.

Define-se como hub um aeroporto maioritariamente utilizado por uma ou mais companhias aéreas para transferir passageiros de um voo para outro de forma a chegarem ao seu destino final. Geralmente, uma mesma companhia aérea tem apenas um único hub com voos internacionais, exceção feita a países muito grandes – como EUA ou Canadá – ou a companhias cujo aeroporto principal apresenta fortes restrições ao seu crescimento, como é o caso da Lufthansa com hub em Frankfurt e Munique.

Nestas circunstâncias, um passageiro embarca na cidade A, faz escala no hub onde troca de avião para chegar a B, C, D, etc. Poderíamos exemplificar o caso concreto dos voos Lufthansa de/para EUA e Canadá. Dos 7,8 milhões de passageiros transportados nessas 35 rotas existentes em 2019, 81% estavam em conexão. Ou seja: 8 em cada 10 apenas transitaram por Frankfurt ou Munique – com destino a outras cidades na Alemanha, mas também para Itália, Índia, França, Polónia, Grécia, Irão, Israel, entre outros. Um outro caso paradigmático era o voo diário da TAP entre Dakar e Lisboa: transportava todos os dias 400 passageiros ida e volta, sendo que 99,9% continuavam ou tinham origem noutro destino fora de Portugal. Eram quase 150 mil passageiros anuais com nenhuma (ou muito pouca) expressão económica para o país – com sorte, terão tomado um café durante a escala na Portela.

Outra definição, por vezes confundida com a de hub, é a de aeroporto-base: aquele que serve como ponto inicial e ponto final de uma frota de aviões de uma companhia, implicando uma infra-estrutura local de apoio a esses aviões (tripulações, manutenção, administrativos) e seu respetivo impacto indireto na economia e emprego. Nesse sentido, a base da easyJet inaugurada há pouco tempo no Algarve não faz de Faro um hub vocacionado para o trânsito de passageiros. É um novo aeroporto onde a easyJet sedeou aviões representando um maior compromisso da empresa para crescer organicamente o número de passageiros de/para essa região.

Entenda-se: a easyJet já voa para Faro há várias décadas com aviões provenientes de outras bases. Então o que mudou em concreto? Os empregos diretos e indiretos que se criam através da colocação um determinado número de aviões a começar e terminar as suas operações diárias em Faro, as novas rotas que se podem abrir para novos mercados e o maior número de voos que se passam a poder realizar de/para Faro com essa frota inteiramente dedicada ao destino. Em suma: mais emprego, mais turistas, mais rotas e mais escolha para algarvios, alentejanos e andaluzes que queiram sair das suas regiões usando o aeroporto de Faro.

Imaginemos que em vez de criar uma base, a easyJet criaria em Faro um hub para ligar a Europa do Norte às Canárias e a várias cidades da África Ocidental com escala no aeroporto algarvio. Certamente que isso iria implicar mais aviões baseados em Faro (e consequentemente mais empregos diretos na easyJet e serviços complementares) e uma rede mais vasta de destinos, desde logo a abertura de rotas para um novo continente. Iria requerer, por ventura, a adaptação da infra-estrutura a este tipo de tráfego e iria implicar uma maior pressão naquelas horas do dia em que todos os voos precisam de aterrar e descolar nas mesmas faixas horárias para o hub funcionar.

Ou seja, em pouco tempo, ter-se-iam que desviar fundos para investir no aeroporto e satisfazer estas novas necessidades. E se um dia a easyJet desistir do negócio do hub ou se sucumbir à feroz concorrência de outras companhias para esse mercado de passageiros em trânsito, acontecerá exatamente como aprendemos no tempo da economia de transporte dos Descobrimentos: o negócio desaparece e o investimento realizado fica órfão e moribundo.

Todos estes cenários – hub, aeroporto-base ou simplesmente aeroporto ou aeródromo sem base – existem na aviação e são comercialmente defensáveis. Com 70 milhões de passageiros em 2019, Frankfurt é um dos maiores “hubs” da Europa que liga mais de 250 cidades em 100 países e é o hub da Lufthansa. O seu novo terminal 3 terá capacidade para mais 19 milhões de passageiros/ano adicionais. Curiosamente, Berlim, a capital da Alemanha, não é hub, serve apenas de aeroporto-base para 3 companhias low cost, não tem praticamente voos para nenhum destino intercontinental, a companhia dita de bandeira Lufthansa apenas voa de Berlim para 2 destinos domésticos e, apesar de todos estes aparentes inconvenientes, é de longe a cidade mais visitada da Alemanha por turistas (14 milhões em 2019, mais do dobro do que Lisboa).

Atenas, outrora um hub com ligações para Ásia, Austrália e EUA, deixou de o ser e nem por isso perdeu importância ou relevância – simplesmente evoluiu e tornou-se mais focado no tráfego de/para a Grécia e nalgumas ligações específicas para o Mediterrâneo Oriental, ao mesmo tempo que se assistiu a uma maior descentralização dos voos diretos da Europa para outros aeroportos continentais e insulares do país.

A esmagadora maioria dos aeroportos europeus e mundiais não é hub. E não é por isso que deixam de ser relevantes nem de desempenhar o seu papel económico fundamental.

A política de transporte aéreo do país deveria respeitar, por um lado, os recursos financeiros e infra-estruturais existentes e, por outro, criar os estímulos e as ligações que verdadeiramente fomentem o turismo e a conetividade aérea do país. A melhor forma de o concretizar poderia ser outra:

- estimular a conversão de mais aeroportos do nosso país em aeroportos-base. Uma chamada de atenção especial para o aeroporto da Madeira, o único sem nenhuma companhia baseada.

- aumentar o número de companhias – independentemente da sua origem – com bases em aeroportos nacionais. A título de exemplo, uma das companhias do Grupo Lufthansa (a Eurowings) anunciou a abertura de uma base fora da Alemanha, em Praga, que se junta às de Palma de Maiorca e de Viena.

- incentivar o tráfego com destino final Portugal. Este aspeto é particularmente relevante em Lisboa, uma vez que a TAP tem por objetivo comercial alcançar 70% de passageiros de ligação. Isto significa que, por exemplo, num voo Chicago-Lisboa, a estratégia da TAP está desenhada para que dos 300 potenciais passageiros, apenas 90 tenham como origem ou destino Portugal. Se a United ou a American, ambas com hub em Chicago, forem incentivadas a realizar este voo em vez da TAP, praticamente 100% desse avião chegará com passageiros destinados a Portugal e não apenas de passagem.

- estimular o trânsito de passageiros hub através de soluções tecnológicas inovadoras e de programas de encaminhamento que não dependem apenas de uma companhia específica. Neste contexto, a Portela terá a capacidade adequada para acolher os passageiros com destino ou com origem na capital e poder-se-á também estimular a existência de mais destinos sem escalas à partida de outros aeroportos do país. Mesmo que ocorra uma eventual redução na quantidade do número de passageiros em trânsito em Lisboa, a qualidade dos seus passageiros sob o ponto de vista económico e de impacto nos vários setores da nossa sociedade (a começar pelo turismo) será muito maior.

To hub or not to hub?” Somos livres de fazer a nossa escolha, mas seremos prisioneiros das suas consequências.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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