EUA-China: a guerra estará próxima?

Tanto os EUA como a China têm cometido erros estratégicos que, se não forem corrigidos, poderão levar a um aumento da tensão e, possivelmente, a um conflito militar limitado na Ásia. Uma confrontação dessas, que não pode de maneira alguma ser excluída dos cenários prospectivos, teria um efeito devastador.

O fim da Guerra Fria tornou possível a restauração da unidade da ordem internacional, num quadro de tensão potencial entre a hegemonia unipolar da ordem liberal e a reconstituição dos equilíbrios regionais na Europa, na Ásia ou no Médio Oriente.

O declínio relativo da principal potência internacional, a erosão da ordem liberal e das alianças democráticas têm marcado o regresso da competição entre os EUA, a China e a Rússia. A lógica de competição estratégica força as três principais potências a estruturar modelos de ordenamento regionais diferenciados para garantir a sua hegemonia nas respectivas esferas de influência com implicações no sistema internacional.

É neste quadro que a questão sino-americana é talvez o desafio mais importante dos nossos tempos, em que os EUA são, indiscutivelmente, o poder estabelecido e a China o seu principal rival. O impacto da ascensão da China é visto por muitos nos EUA como uma afronta à sua hegemonia na ordem internacional.

O fim da hegemonia unipolar não pode deixar de pôr em causa a continuidade da ordem liberal, cuja integração da China na ordem multilateral prejudica a vinculação das instituições internacionais ao primado da lei e aos princípios liberais. A China tem como prioridade impor a sua hegemonia na Ásia Oriental, o que implica o reconhecimento da sua posição hierárquica tradicional ao nível regional.

Para alguns, a ascensão fulgurante da China não é nada menos que “a mais dramática alteração na hierarquia económica e na geopolítica mundial” (Brzezinski). Torna-se assim necessário arranjar um novo equilíbrio para a região da Ásia-Pacífico e, possivelmente, para todo o sistema internacional.

À medida que a China retoma o seu lugar como um gigante económico, também o faz a nível político. O isolamento deu lugar a um novo período de assertividade chinesa na região. Por um lado, trata-se de recuperar o estatuto que a China sempre deteve na Ásia, particularmente na orla do Pacífico, por outro garantir as crescentes necessidades da economia chinesa.

O caminho para assegurar tais objectivos tem sido feito com uma mistura de hard e soft power. As suas forças armadas estão em rápida expansão e modernização, enquanto a sua diplomacia e os seus agentes económicos fazem uma incursão menos ameaçadora, mas muito mais incisiva em diversos países.

Em 2017, a Estratégia de Segurança Nacional americana – ainda em vigor – declarou o regresso à rivalidade entre grandes potências e qualificava a China de potência revisionista, principal rival estratégico e ameaça à segurança dos EUA. E, apesar de os EUA serem uma nação dividida, há um ponto de consenso mesmo depois da eleição de Joe Biden: a China é um problema complexo, pois a cooperação transformou-se em rivalidade.

Tudo começou com uma guerra comercial, mas rapidamente o patamar subiu para uma guerra tecnológica. Será que vai terminar num conflito armado ou, à semelhança da Guerra Fria entre os EUA e a URSS, a ordem internacional permitirá a sua coexistência pela postura assente na dissuasão da ameaça?

Estamos provavelmente “no sopé de uma nova Guerra Fria”, como afirmou Henry Kissinger. Ainda se evita falar numa nova Guerra Fria, mas o duelo EUA-China já não é só económico. Este novo período é, de facto, uma reminiscência mas difere dela em aspectos importantes.

A diferença do duelo entre chineses e norte-americanos com a batalha ideológica que opôs os EUA à URSS tem que ver, sobretudo, com a impossibilidade prática de se dividir em dois blocos um mundo e uma economia mais globalizados e interligados do que nunca. A URSS era uma ameaça militar iminente, um exportador de ideologia, mas de uma quase irrelevância económica. E Pequim não lidera um bloco de aliados – como os EUA –, mas quer dependentes que possa submeter. É isso que a diplomacia, a economia e a tecnologia chinesas promovem, tanto em África e na Ásia como na Europa.

Contudo, existem algumas semelhanças. As duas potências têm interesses globais, permanecem ideologias conflituantes, imposição constante de sanções, ameaças repetidas de retaliação, tensão militar, retórica crescente com crispação diplomática e a busca incessante de aliados. A rede de aliados e parceiros continua a ser a principal vantagem dos EUA em relação à China, para criar um novo equilíbrio de poder ao nível regional, de forma a moderar ou dissuadir Pequim de objectivos hegemónicos perseguidos pela sua estratégia, que ambiciona em 2049 ser a potência dominante à escala global.

Neste contexto, o Diálogo de Segurança Quadrilateral (QUAD) é uma aliança informal dos quatro países (EUA, Japão, Índia e Austrália) que serve para contrabalançar as ambições expansionistas da China.

Com efeito, no caso dos EUA o Indo-Pacífico passou a ser o eixo central das suas alianças estratégicas, sejam militares, comerciais, logísticas ou sanitárias. O desafio que a ambição de Pequim encerra orienta a política externa e de segurança americana nessa direcção.

No caso da China, com a expansão do projecto económico “Nova Rota da Seda” (Belt and Road Initiative), Xi Jinping procura, longe de fronteiras, os aliados que escasseiam junto delas, cujos impactos geopolíticos não podem ser ignorados.

A rivalidade entre Washington e Pequim é, segundo Graham Allison, “a característica que define as relações internacionais actuais e no futuro próximo”.

Biden, ao reconhecer a China como o grande competidor dos EUA e o seu principal rival geopolítico, assume o desafio do país asiático à tradicional supremacia global americana, parecendo ser cada vez mais difícil de evitar uma guerra entre EUA e China.

Na realidade, tanto os EUA como a China têm cometido erros estratégicos que, se não forem corrigidos, poderão levar a um aumento da tensão com uma maior rivalidade entre as duas potências e, possivelmente, a um conflito militar limitado na Ásia. Uma confrontação dessas, que não pode de maneira alguma ser excluída dos cenários prospectivos, teria um efeito devastador. A estabilidade e a prosperidade europeias seriam afectadas.

Neste âmbito, o almirante James Stavridis, comandante-supremo da NATO entre 2009 e 2013, revelou num livro publicado recentemente que a “guerra será inevitável”. O confronto poderá ocorrer em 2034, numa altura em que a China atingirá o máximo da capacidade militar (cibernética, espacial, naval e furtiva) e tecnológica, enquanto o poderio dos EUA terá estagnado.

A confrontação é justificada por vários motivos. Entre eles, a retórica cada vez mais agressiva de Pequim, as acções constantes das forças chinesas no Pacífico contra frotas pesqueiras de outros países, a produção crescente de navios de guerra, o incremento da militarização do Mar do Sul da China e a percepção de que os EUA vivem uma crise interna.

Por outro lado, o almirante Phil Davidson, comandante das forças americanas no Pacífico, sugeriu a possibilidade de a China invadir Taiwan nos próximos seis anos.

A China é, de facto, o maior desafio geopolítico do século XXI para os EUA e os seus aliados, sendo o único país com poder económico, diplomático, militar e tecnológico que pode minar seriamente um sistema internacional estável e aberto com regras e valores.

Três décadas depois da queda do muro de Berlim, os EUA e a China avançam numa espiral de ameaças, sanções e acusações de espionagem de consequências imprevisíveis. Do confronto ao nível comercial e tecnológico à competição armamentista e a luta pela influência nos diversos continentes, os dois gigantes protagonizam uma disputa pela hegemonia global repleta de perigos e de final incerto.

A consciência de que a questão com a China é diferente do conflito com a URSS é essencial para definir como agir. Questão que ainda não está resolvida no Ocidente, não existindo consenso nem doutrina.

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