Macron pede um novo fôlego democrático para a União Europeia

Parlamento Europeu em Estrasburgo reabriu para a cerimónia inaugural da Conferência sobre o Futuro da Europa.

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O Presidente francês abriu oficialmente os trabalhos da Conferência sobre o Futuro da Europa, no Parlamento Europeu Jean-Francois Badias/EPA

Depois de ter lançado a ideia de promover um grande debate de reflexão sobre a organização institucional da União Europeia e o futuro da Europa, num discurso na Sorbonne em 2019, o Presidente francês, Emmanuel Macron, abriu oficialmente os trabalhos da Conferência sobre o Futuro da Europa, este domingo, no Parlamento Europeu de Estrasburgo: um exercício descrito como “uma experiência democrática” inovadora e empolgante, que durante os próximos doze meses vai envolver a cidadania europeia, e produzir resultados durante a presidência gaulesa do Conselho da UE.

Emmanuel Macron, já em plena campanha para a reeleição para um segundo mandato no Eliseu, não desperdiçará a oportunidade para projectar a sua imagem como o novo e incontornável líder político da Europa, após a saída de cena da chanceler alemã, Angela Merkel.

No seu discurso inaugural, o líder francês deixou as considerações eleitorais nas entrelinhas, quando falou longamente sobre democracia, um “tesouro” que a União Europeia soube conquistar e não pode desperdiçar, sobretudo no actual contexto pandémico em que muitos podem sentir-se seduzidos pelas soluções “fáceis” e “rápidas” oferecidas por líderes nacionalistas e autoritários. “Uma crise instala sempre dúvidas existenciais, e estamos a ver isso agora. O risco é deixar-nos consumir pela depressão”, alertou.

Tendo o cuidado de se referir sempre à União Europeia e à Europa, e nunca especificamente à França, Emmanuel Macron considerou naturais e legítimas as angústias e dúvidas trazidas pela crise provocada pelo novo coronavírus — que, reconheceu, expôs os constrangimentos, as deficiências e os limites do modelo europeu. “A UE precisa de um novo fôlego democrático”, considerou, mas não de um novo modelo. Muito pelo contrário. “O nosso modelo é a nossa força”, defendeu o Presidente francês. 

“Resistimos à pandemia porque soubemos construir este projecto, que desde o arranque [com a declaração de Robert Schuman, há 71 anos] é baseado na solidariedade e no humanismo”, salientou. Na resposta à emergência sanitária, e à crise económica e social, outros foram mais rápidos do que os europeus — mas ou sacrificaram vidas, ou ignoraram a democracia. Apesar das hesitações e falhas iniciais, “a cooperação europeia salvou vidas. E a democracia que nos define — o debate, a crítica, a contestação, o compromisso e o equilíbrio — tornou-nos mais eficazes”, contrapôs.

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e o primeiro-ministro e o presidente em exercício do Conselho da UE, António Costa, completaram esta linha de raciocínio de Macron nas suas intervenções no Parlamento Europeu, que depois de mais de um ano de encerramento, voltou a abrir as suas portas aos representantes europeus. Os dois citaram autores consagrados da literatura mundial para falar em esperança e mudança, e no dever de legar um mundo melhor às próximas gerações: esse é, de resto, o propósito da Conferência sobre o Futuro da Europa.

“Não será um exercício intelectual, nem mais um compromisso político. Não será uma panaceia nem a solução para todos os problemas. Será uma oportunidade para juntar e ouvir os cidadãos europeus. Porque o futuro da União Europeia será o que eles quiserem que seja”, afirmou Von der Leyen. 

“Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”, lembrou António Costa, que passou em revista os alargamentos e aprofundamentos que construíram a União Europeia de hoje.”Nem sempre avançámos em conjunto e todos ao mesmo tempo. Como não concluímos ainda plenamente todos os passos que já demos, como Schengen e o euro”, assinalou o primeiro-ministro, que espera que na Conferência sobre o Futuro da Europa sirva para abordar e resolver os “problemas que minam a coesão” e “dividem as sociedades em muitos Estados-membros”.

Pela sua parte, o presidente do Parlamento Europeu, David Sassoli, insistiu que o debate institucional não deve ser circunscrito nem ter “tabus”. E referiu três em específico: o poder de iniciativa do Parlamento Europeu, o sistema dos Spitzenkandidaten (cabeças de lista nas eleições europeias) para a Comissão Europeia e a regra da unanimidade no Conselho da UE.

Para Sassoli, há que rever a “capacidade e centralidade” do Parlamento Europeu na arquitectura da UE, conferindo-lhe o direito de avançar propostas legislativas, “como qualquer parlamento nacional”, a par da Comissão e do Conselho da UE. O italiano voltou a defender a escolha de um Spitzenkandidat para chefe do executivo comunitário, e a abolição do poder de veto em determinadas matérias discutidas no Conselho da UE. São mudanças que implicam uma “actualização dos Tratados”, apontou. “Sejamos corajosos, não tenhamos medo delas”, instou.

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