Incumprimento do plano para a floresta custará 700 milhões por ano ao país

Em discussão pública até domingo, o Programa de Acção do Plano Nacional de Gestão Integrada de Fogos Rurais prevê a execução, numa década de 200 medidas para valorizar a floresta. Agência aposta na monitorização para garantir que, do Estado aos privados, o país cumpre os objectivos.

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Miguel Manso

As alterações climáticas tornam a floresta portuguesa (ainda mais) vulnerável aos incêndios. A Agência de Gestão Integrada dos Fogos Rurais (AGIF) propõe 200 medidas para, na década em curso, melhorar a gestão e valorizar, económica e ambientalmente, a área florestal do país, e no Programa de Acção que está em consulta pública até domingo, Dia Mundial da Floresta, não falta uma prospectiva do que aconteceria se chegássemos a 2030 nas condições em que hoje estamos. Se não mudarmos nada, Portugal perderia 700 milhões de euros por ano, entre os prejuízos directos dos incêndios e a riqueza que não estaria a conseguir criar.

O número dá uma dimensão do trabalho que o país, do Estado aos privados, tem pela frente para conseguir gerir melhor e minimizar riscos, do ponto de vista preventivo, e a ser mais eficaz a combater o fogo, quando ele acontece para, no final, se conseguir uma valorização dos serviços económicos e ambientais da floresta portuguesa. Num cenário de cumprimento da maioria das 200 medidas, que fazem parte de 97 projectos organizados por 28 programas que respondem a 12 objectivos estratégicos, a área ardida anual deverá não ultrapassar os 60 mil hectares (poderão ser 205 mil, num cenário designado por Black Sky Forever). Para isso é necessário aumentar o investimento anual do Sistema Integrado de Gestão de Fogos Rurais dos 264 milhões de euros de 2019, para uma média anual de 635 milhões, nesta década.

As orientações estratégicas, já conhecidas, são quatro: valorizar os espaços rurais (é aqui que entra o cadastro, por exemplo); cuidar dos espaços rurais (o que implica diversificar a paisagem); modificar comportamentos (minimizando os que representam riscos) e gerir o risco de incêndio mais eficientemente (com melhor coordenação e recurso a sistemas de informação sobre o estado do coberto vegetal, por exemplo). Mas, para afastar o cenário de nuvens negras, o plano de acção coloca tanta ênfase nas medidas, que podem ser consultadas e criticadas em www.consultalex.gov.pt como nas formas para as pôr em prática, para garantir que esta não é mais uma década desperdiçada na floresta portuguesa e evitar, por exemplo, que as áreas que arderam em 2017 voltem a ser consumidas pelas chamas.

A AGIF empenhou-se em envolver o maior número de entidades na elaboração deste programa de acção que agora submete à crítica. E para além de uma governança que vai continuar a implicar todos os agentes públicos e privados, nacionais, regionais e locais, o presidente da AGIF, Tiago Oliveira, destaca o empenho na monitorização constante e avaliação, ano a ano, do desenvolvimento dos projectos, que permitirá não apenas a responsabilização dos envolvidos, mas também a realocação de recursos entre áreas de actuação, caso a evolução da situação assim o exija. A legislação, explicou ao PÚBLICO, já permite esta autonomia de gestão financeira, o que é muito importante, tendo em conta o número de ministérios, envolvidos, 11.

Investir 57% em operações de prevenção

Ao longo desta década, o país deve passar a investir 57% em operações de prevenção e 43% no combate aos fogos, mas o principal rosto da AGIF acredita que o incremento do investimento no primeiro prato da balança poderá permitir poupanças em investimentos previstos para o segundo. Essa é, aliás, uma das mudanças estruturais que este programa procura alcançar. A outra, nota Tiago Oliveira, passa por voltar a atrair gente para a floresta. Num cenário óptimo, podem ser criados “60.000 postos de trabalho no interior – com mais de 21.000 empregos directos criados na gestão activa do território e 39.000 empregos indirectos na gestão das infra-estruturas, logística e exploração dos serviços gerados pelos espaços florestais e pastoris”, lê-se no programa.

“A nossa paisagem é feita pelo homem e nos últimos 60 anos nós tiramos o homem da paisagem”, assinala o presidente da AGIF, adiantando que só para limpezas de terrenos será necessário duplicar a capacidade instalada. Outro grande desafio, acrescenta, “é pôr o Instituto de Conservação da Natureza e Floresta (ICNF), que “já quadruplicou a intervenção que fazia antes de 2017”, insiste, a “olhar para os proprietários como clientes”. O programa prevê mecanismos para garantir que o Estado dê o exemplo, tratando bem dos 20% do território sob sua gestão, ao mesmo tempo que se apoia o associativismo privado, reforçando a capacidade das Zonas de Intervenção Florestal existentes, que já cobrem 1,7 milhões de hectares.

Garantir a execução do grosso das medidas é essencial para o cumprimento das expectativas de redução das emissões de CO2 conforme o Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050. No melhor cenário, o país evitaria a emissão de 47 megatoneladas de equivalente em Co2 acumuladas até 2030, reduziria o risco real de incêndio e aumentaria a biodiversidade. Acrescentando mais 0,3% ao Produto Interno Bruto, os tais 701 milhões de euros que contabilizam “a diminuição do prejuízo económico e social provocado pelos incêndios, os bens e serviços adicionais gerados nos espaços silvestres e o aumento do Valor Acrescentado Bruto industrial, essencialmente assente em exportações”.

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