A maternidade e a pandemia: os principais desafios para mães e bebés

Por ocasião dos 31 anos do PÚBLICO, Diogo Ayres de Campos, Carmen Ferreira e Clementina Almeida conversaram sobre o impacto da covid-19 na maternidade e na saúde mental, quer das mães, quer dos bebés.

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“Já existem estudos que mostram que temos níveis mais elevados de depressão pós-parto e ansiedade, relacionados com o momento que estamos a viver”, assinala Clementina Almeida DR

Ser mãe durante a pandemia não é fácil, além da enorme incerteza e ansiedade, a ciência ainda sabe muito pouco sobre a covid-19 na gravidez, no parto e no primeiro ano de vida. Diogo Ayres de Campos, director do serviço de obstetrícia do Centro Hospitalar Lisboa Norte, a enfermeira especialista em saúde materno-infantil Carmen Ferreira e Clementina Almeida, psicóloga clínica especialista em bebés responderam a algumas das dúvidas mais comuns, numa conversa dedicada à pandemia e natalidade, por ocasião dos 31 anos do PÚBLICO.

Há um ano, quando a covid-19 tomou conta das nossas vidas pouco ou nada se sabia sobre a infecção. “Não sabíamos se havia ou não maior risco pela gravidez. Só tínhamos várias analogias com outras infecções”, recorda Diogo Ayres de Campos. O director do serviço de obstetrícia do Centro Hospitalar Lisboa Norte sempre defendeu a amamentação e o contacto pele com pele, ao contrário da Direcção-Geral de Saúde. Hoje sabe-se que “muito raramente o vírus está presente no leite materno” e que são poucas as grávidas a ter sintomas mais graves.

Estes casos raros de sintomas mais graves acontecem e o médico obstetra recorda, por exemplo, o de uma grávida de 27 semanas que necessitou de ECMO — um circuito extracorporal que substitui a função pulmonar. A mãe entrou em pré-eclampsia no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, e, às 29 semanas, o bebé nasceu de cesariana. Felizmente a história teve um final feliz.

Nessa primeira fase da pandemia, os acompanhamentos no momento do parto foram também suspensas e muitos pais viram-se privados de acompanhar e assistir ao nascimento dos seus bebés. Depois, passou a ser permitido acompanhar novamente a grávida no parto, mas não durante as consultas e ecografias prévias. Os pais são então excluídos desse processo.

Carmen Ferreira acompanha dezenas de casais nos seus cursos de preparação para o nascimento e explica que esta exclusão promove uma “maior dificuldade em entrar no processo de vinculação.” Por isso, recomenda as grávidas a fazer vídeochamadas em momentos importantes como as ecografias, e a comunicar ao companheiro tarefas e detalhes de maneira a envolver os companheiros. A enfermeira garante que os pais também têm dúvidas, não são só as grávidas.

E as dúvidas dos casais continuam as mesmas ou a pandemia trouxe novas questões? A especialista em saúde materno-infantil explica que a maior parte das dúvidas se relaciona com as visitas no pós-parto. Cada casal deve, claro, adaptar as visitas à sua logística, tendo sempre em conta as medidas de higiene. “É preciso pessoas que estejam lá para ajudar com outras tarefas que não com o bebé”, relembra.

Saúde mental das mães e bebés

É que a pandemia veio tornar a maternidade ainda mais solitária. Clementina Almeida, psicóloga clínica especialista em bebés, alerta para a ansiedade que assola as grávidas e explica que estes estados prolongados no tempo poderão ter impacto no desenvolvimento físico do bebé. A especialista lamenta que não exista uma norma de rastrear a saúde mental das gestantes.

“Já existem estudos que mostram que temos níveis mais elevados de depressão pós-parto e ansiedade, relacionados com o momento que estamos a viver”, assinala a psicóloga. Oscilações de humor, sensação de não valer a pena, sentimento de incompetência, falta de vinculação com o bebé são sinais a ter conta, destaca Clementina Almeida.

Mas nem tudo na pandemia foi mau. Para muitas mães foi uma oportunidade “sublime” de passar mais tempo com os seus bebés. A enfermeira Carmen Ferreira sublinha que muitos bebés “recuperaram o peso mais depressa”. Já Clementina Almeida destaca os benefícios dessa proximidade para os bebés, que nascem com apenas 25% do cérebro desenvolvido. “A relação com pais gera um milhão e meio de sinapses por segundo”, explica a psicóloga.

Clementina Almeida defende que os bebés precisam de ser estimulados, “como num jogo de ténis”. Cada interacção precisa de uma resposta. “Não vai desenvolver o cérebro olhar para a televisão”, avisa a especialista. O contacto social precisa então de ser salvaguardado, para que 75% do cérebro esteja desenvolvido por volta de um ano de idade, caso contrário corremos o risco de ter bebés com “défice em termos de desenvolvimento da linguagem”, daqui a alguns anos.

Acima de tudo, a psicóloga pede aos pais que “não se culpabilizem demasiado” — “estão a tentar fazer o melhor que podem”. Para quem tem outros filhos — além do bebé nascido durante a pandemia — Clementina Almeida termina com uma estratégia para ajudar na gestão da maternidade com o teletrabalho: em vez de o pôr em frente ao ecrã, promova a brincadeira independente. Como? Sente-se com ele no chão a brincar durante dez minutos, “rapidamente vão pôr-nos de lado porque não fizemos o que era suposto”. Aí, pode voltar ao trabalho e a criança ficará entretida a brincar sozinha.

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