A pressão e a culpa são inimigas de pais (e bebés) felizes

Um estudo realizado em 16 países de quatro continentes conclui que os pais de bebés até aos 12 meses seriam mais felizes com menos opiniões de terceiros.

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Um “bebé fácil” é um dos factores referidos para conseguir uma parentalidade tranquila Mikael Stenberg

As dicas da mãe, as opiniões da amiga, o olhar reprovador de um desconhecido numa caixa de supermercado, as exigências que cada um coloca sobre si mesmo. Todas estas situações são sinónimo de pressão social, externa ou interna, tendo sido este identificado como o maior problema que os pais enfrentam hoje em dia, segundo o Índice da Parentalidade, um estudo encomendado pela Nestlé e que envolveu 8045 entrevistas a pais com crianças até 12 meses, em 16 países de quatro continentes: Alemanha, Espanha, Polónia, Reino Unido, Roménia e Suécia, na Europa; Brasil, Chile, EUA e México, na América; Arábia Saudita, China, Filipinas, Índia e Israel, na Ásia; e Nigéria, em África.

A queixa foi transversal a todos os países e, em termos globais, mais de metade (60%) dos inquiridos referiu sentir a pressão de outros sobre a forma como se relaciona com os seus filhos e sobre as opções nos capítulos dos cuidados prestados e da educação. “É preciso uma aldeia para criar uma criança”, começa por dizer Thierry Philardeau, da área de Nutrição da empresa durante uma apresentação virtual. No entanto, continua, o problema está em perceber o que acontece “quando essa aldeia é demasiado opinativa”.

Na maioria das vezes, a pressão é acompanhada por um sentimento de culpa de não se estar a conseguir corresponder às expectativas. A agravar este quadro surgem as redes sociais como potenciadoras da vergonha, mas também curiosamente da solidão: muitos pais (32%) afirmam sentir-se muito sozinhos no seu papel de cuidadores do bebé.

“A pressão que vem com a troca de informações tem o reverso da medalha”, explica Elisa Riboldi, directora-geral de Nutrição da Nestlé para Portugal, ao PÚBLICO. “Conversar com outros, participar nas redes sociais também é uma das fontes de informação, de tranquilidade; por isso, não é desejável trancar esses canais.” No entanto, é preciso ter atenção à forma como se comenta as opções de vida dos outros. E ter memória: “Ouve-se muita gente com queixas de se sentir envergonhado, mas são estas mesmas pessoas que acabam por dizer precisamente as coisas que não gostaram de ouvir – porque muitas vezes há apenas vontade de ajudar.” Porém, a forma como se transmite a opinião deve ter em conta o nível de sensibilidade de quem está a ouvir. “Além disso, nunca sabemos o que o outro está a viver; apenas podemos partilhar a nossa experiência.”

Houve ainda uma expressiva fatia de inquiridos (31%) que refere o “choque” de quem não estava preparado para a nova realidade que um bebé acarreta. Problema maior, explica Elisa Riboldi, é que, depois do choque, segue-se um período de depressão, e “o tema permanece um tabu”. “Em muitos países este é um assunto proibido, não obstante o facto de tantas mães, e às vezes também pais, passarem por uma depressão pós-parto.”

Na Suécia, há pais felizes

Ao mesmo tempo que o estudo procurou perceber o que tornava a vida dos pais de bebés mais difícil, também se dedicou a perceber onde estão os pais mais felizes e porquê, esperando que os bons exemplos possam vir a ser replicados, ainda que não haja ambição de assumir esta batalha a outros níveis. “Somos um pequeno interveniente num grande jogo”, justificou Thierry Philardeau ao PÚBLICO.

Mas os problemas e as soluções começam a ser identificados, como a flexibilidade no emprego: “Ninguém se deveria sentir culpado por faltar à apresentação de uma peça de teatro de um filho na escola por causa de uma reunião”, exemplifica Elisa Riboldi. E, no campo das respostas, a Suécia dá cartas, tendo sido o país em que o nível de satisfação parental atingiu 75 pontos em 100, com os progenitores a declararem “maior facilidade no exercício de parentalidade”, o que significa que a maioria das situações é vivida de forma positiva. Além da pouca pressão social, os pais suecos sentem-se com resiliência financeira e com apoio à vida profissional, itens apontados por 16,7% e 15,6% da globalidade dos inquiridos, respectivamente, como campos essenciais para uma experiência mais tranquila.

Outros factores referidos, por ordem de relevância, foram o ter um “bebé fácil” (10,1%), contar com recursos de saúde e bem-estar (9%), ter um ambiente de apoio (8%), uma parentalidade partilhada (5,8%), confiança parental (2,7%), a duração da licença de maternidade (3,5%) e o PIB per capita dos países (3,1%).

Atrás da Suécia, o Chile (58/100) e a Alemanha (56/100) completam o top dos três países onde os pais consideram enfrentar menos desafios para criarem os seus bebés. Pelo contrário, a China é o país onde os pais dizem enfrentar os maiores desafios (39/100), seguido do Brasil (40/100) e das Filipinas (43/100).

Portugal não foi abrangido, ainda que a marca, que pretende repetir as mesmas perguntas de dois em dois anos no sentido de compreender a evolução, planeie juntar mais países ao Índice da Parentalidade. Para já, refere Elisa Riboldi, em Portugal, é relevante perceber a importância da família alargada. “Por exemplo, na nossa equipa observámos [nesta fase de pandemia] pessoas a saírem de Lisboa para estarem mais perto dos familiares, dos avós.”

Desafios em tempos de pandemia

O Índice da Parentalidade foi feito tendo por base entrevistas realizadas entre 14 de Janeiro e 27 de Fevereiro de 2020. No entanto, foi concretizado um segundo lote de questionários depois de a covid-19 ter sido declarada uma pandemia pela Organização Mundial da Saúde.

Assim, os responsáveis pelo estudo ressalvam a pouca importância que a situação sanitária tem nestas conclusões, ainda que tenham observado um impacte positivo sobre a forma como mães e pais se sentem em relação à sua experiência parental. Em todos os 16 países, os pais revelaram sentir mais apoio mútuo durante a pandemia — incluindo uma maior coesão social e sentimento de pertença. “Numa crise, volta-se sempre ao que é importante na vida, como o apoio da família”, contextualiza Elisa Riboldi.

Além disso, talvez fruto do confinamentos e da distância social imposta, os pais admitiram sentir menos pressão social sobre como criar os seus filhos. Nos Estados Unidos, em Espanha e na China, foram descritos ainda maiores sentimentos de resiliência financeira relacionados com os menores custos com creches.

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