Isabel Alçada defende que quanto mais nova for a criança mais problemático é interromper aulas

As competências cognitivas que as crianças adquirem no pré-escolar e no 1.º ciclo são “muito importantes”, defende a ex-ministra da Educação, lembrando que o processo de aprendizagem da leitura e da escrita requer uma atenção personalizada por parte do professor.

Foto
Nuno Ferreira Santos

A interrupção das aulas presenciais é tanto mais problemática quanto mais nova for a criança, declara a ex-ministra da Educação Isabel Alçada, em entrevista à Lusa. “No pré-escolar as crianças estão numa etapa crucial do desenvolvimento. Hoje temos plena consciência de que muitíssimo se joga pelo facto de as crianças estarem ou não estarem no pré-escolar e de terem estímulos para o desenvolvimento nessa fase”, justifica.

As competências cognitivas que as crianças adquirem no pré-escolar e no 1.º ciclo são “muito importantes”, refere, lembrando que o processo de aprendizagem da leitura e da escrita é “absolutamente estruturante de todo o percurso escolar” e requer uma atenção personalizada por parte do professor.

Numa situação de pandemia em que as crianças deixam de ir à escola, é “fundamental a forma como o professor gere a comunicação” e a dinâmica de grupo da sala de aula para induzir concentração e aperceber-se dos alunos que estão desatentos, para que “ninguém fique para trás”, defende.

“O facto de estarem em grupo tem sempre dois possíveis efeitos; pode gerar mais dispersão, mas também gera mais concentração, porque estamos num grupo, vemos que as pessoas estão concentradas num tema e de alguma forma há uma empatia que leva à concentração. Tudo isso é importante e neste momento não existe, porque as pessoas podem comunicar online, mas essa dinâmica de sala de aula neste momento não existe”, aponta.

A concentração online é mais difícil, uma vez que o efeito da concentração colectiva não se processa, frisa. “O professor não percebe quais são os alunos que estão atentos e os que estão desatentos e depois há toda uma dispersão que se gera num contexto que não é o da aprendizagem habitual”, acrescenta Isabel Alçada, que fez carreira como professora e escritora de literatura infanto-juvenil.

“É absolutamente essencial que as crianças aprendam a ler bem e a escrever bem o mais cedo possível e que isso seja acompanhado de uma situação que lhes dê gosto, que não haja sofrimento, porque o sofrimento induz desistência”, alerta. “É diferente o que se passa nos primeiros anos do 1.º ciclo, é diferente da continuidade. Depois, à medida que vão avançando no sistema educativo, as crianças vão ganhando mais autonomia”, declara.

O facto de as crianças não estarem com colegas da mesma idade e com outros adultos, funcionários e professores, vai também prejudicar o desenvolvimento socioafectivo, segundo a professora: “A escola induz, permite, a experiência da criação de laços afectivos fora da família, laços de amizade, permite as primeiras experiências românticas e permite que as pessoas saibam como agir e conhecerem-se a si próprias quando estão em situação de confronto”, o que contribui para o autodomínio.

“Estarem em casa fechados com a família vai impedir esse desenvolvimento socioafectivo. As pessoas, nos outros, descobrem-se a si próprias”, conclui.

Isabel Alçada, que foi ministra da Educação no XVIII Governo Constitucional, liderado por José Sócrates, e que é actualmente assessora para a Educação da Presidência da República, falou à Lusa na qualidade de membro do conselho consultivo do EDULOG, um projecto da Fundação Belmiro de Azevedo destinado a promover reflexões e apresentar contributos para melhorar o sistema educativo.

Sugerir correcção
Comentar