Ventura pede suspensão de mandato de deputado a partir de 1 de Janeiro e substituição por Pacheco de Amorim

Ventura admite que o Estatuto dos Deputados não prevê directamente a suspensão temporária por motivos de candidatura a qualquer cargo político , mas argumenta com “igualdade e democracia”. E ameaça recorrer ao Tribunal Constitucional se o seu pedido for recusado.

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André Ventura ainda não entregou as assinaturas necessárias no TC LUSA/JOSÉ SENA GOULÃO

O líder do Chega e candidato presidencial André Ventura pediu nesta segunda-feira a Eduardo Ferro Rodrigues a suspensão do seu mandato como deputado à Assembleia da República a partir de dia 1 de Janeiro e até dia 24 — que pode ser prolongada automaticamente até 14 de Fevereiro, caso haja segunda volta nas eleições.

Em simultâneo, Ventura solicita também a sua substituição temporária por Diogo Pacheco de Amorim, o nome que lhe seguia na lista de candidatos nas legislativas pelo distrito de Lisboa. O deputado alega que na sua ausência o partido não pode ficar sem representação no Parlamento e ameaça levar o caso ao Tribunal Constitucional.

As questões sobre os mandatos dos deputados são competência da Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados, a quem caberá fazer um parecer para ser votado no plenário - o que só deverá acontecer no final da primeira semana de Janeiro, mas com efeitos retroactivos.

Se o seu pedido for recusado, André Ventura ameaça recorrer ao Tribunal Constitucional. “Caso a Assembleia da República insista nesta obstaculização da minha candidatura presidencial, solicitaremos ao TC, com carácter de urgência, a apreciação dessa decisão para que possa estar garantido o que diz a Constituição: que ninguém pode ser prejudicado na candidatura desde que reúna os requisitos: ter mais de 35 anos, os direitos cívicos em pleno vigor e as condições jurídico-constitucionais necessárias.”

O deputado argumenta que a recusa ao seu pedido “desprestigiaria” o Parlamento porque obrigava à ausência de um partido, democraticamente eleito, dos trabalhos de plenário, votações e comissões, assim como a sua candidatura, já que teria que se repartir por múltiplas funções.

"Igualdade de tratamento e equidade”, alega Ventura

No requerimento que entregou ao presidente da Assembleia da República e a que o PÚBLICO teve acesso, Ventura cita a legislação para defender que “nenhum candidato presidencial, seja titular de cargo político, funcionário público ou privado, poderá ser prejudicado pelas funções que exerce no âmbito da respectiva candidatura presidencial”, uma vez que a lei impõe os princípios da “igualdade e equidade de todas as candidaturas”. E o deputado avisa que esses princípios seriam violados se não lhe fosse permitido suspender o mandato de deputado, condicionando a sua capacidade de fazer campanha eleitoral.

Sobre a sua substituição por Diogo Pacheco de Amorim na sequência da suspensão do seu mandato, André Ventura admite que o Estatuto dos Deputados não prevê directamente a suspensão temporária por motivos de candidatura a qualquer cargo político mas apenas por motivo de doença, maternidade e parentalidade e motivos judiciais. Mas argumenta que a interpretação de tal norma deve ser feita com base também nos princípios constitucionais e da “igualdade e democracia”. Ou seja, não lhe ser permitido suspender mandato e ser substituído levaria à “ausência de representação do Chega em todos os debates e votações parlamentares nesse período, uma clara e grosseira violação do princípio democrático e da legislação que regula a eleição do Presidente da República”.

Tal como o PÚBLICO noticiou em Agosto, André Ventura só poderia fazer-se substituir como deputado à Assembleia da República para a candidatura presidencial e não para fazer campanha nas legislativas açorianas de Outubro passado, como era na altura sua intenção. 

No início de Agosto, André Ventura assumiu que pretendia suspender o mandato durante a campanha eleitoral para as legislativas dos Açores e para as presidenciais - alturas em que a Assembleia da República continua a funcionar sem pausas - e ser substituído por Diogo Pacheco Amorim, que é também vice-presidente do partido.

Ferro Rodrigues foi confrontado com dúvidas sobre a ilegalidade da substituição temporária do líder do Chega, mas fez saber que só tencionava analisar o caso, “se e quando” fosse caso disso. Fonte do gabinete de Ferro Rodrigues disse, então, à Agência Lusa que “o Presidente da Assembleia da República apenas se vai pronunciar, se for caso disso, se e quando o deputado em questão formalizar tal requerimento”.

José Manuel Pureza, bloquista e vice-presidente da Assembleia da República, pronunciou-se logo sobre o caso. “A lei é clara - um deputado não pode suspender o mandato para concorrer a outro cargo, Cumprir o mandato para que se foi eleito, dê jeito ou não dê, ponto final”, escreveu no Twitter. Para Pureza, o Estatuto dos Deputados é claro: “Não pode haver suspensão do mandato a não ser nos casos ali previstos e tipificados”.

A figura prevista naquele diploma é a da “substituição temporária por motivo relevante", mas só por “doença grave que envolva impedimento do exercício das funções por período não inferior a 30 dias nem superior a 180”, “exercício da licença por maternidade ou paternidade” ou a “necessidade de garantir seguimento de processo [judicial ou similar] nos termos do n.º 3 do artigo 11.º”.

Pouco antes do início da campanha nos Açores, Ferro Rodrigues acabou por informar André Ventura de que não poderia suspender o mandato com a justificação de querer dedicar-se às regionais. O deputado do Chega decidiu então adiar o pedido de suspensão do seu mandato parlamentar e fazer a campanha açoriana - onde conseguiu eleger dois deputados e ser o garante que faltava ao PSD para ser Governo - faltando à Assembleia da República e justificando as ausências com trabalho político.

Ventura é o primeiro deputado candidato presidencial a recorrer ao pedido de suspensão do mandato nos últimos 20 anos. De acordo com os registos do Parlamento consultados pelo PÚBLICO, Ferreira do Amaral, deputado e candidato em 2001; Francisco Louçã, Manuel Alegre e Jerónimo de Sousa, candidatos em 2006; Defensor Moura e Francisco Lopes, em 2011 – todos fizeram a campanha eleitoral para as presidenciais sem serem substituídos e faltaram a algumas reuniões plenárias mas tiveram faltas justificadas como trabalho político. Houve mesmo alguns que chegaram a ir ao Parlamento a reuniões durante o período de 14 dias de campanha eleitoral.

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