Governo aprova plano para ajustar regras da Zona Franca da Madeira

Proposta para prorrogar actual regime fiscal por um ano, com mudanças, foi aprovada pelo Conselho de Ministros e segue agora para o Parlamento.

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Bruxelas condiciona a redução do IRC a empresas com actividades efectivamente realizada na Madeira Andreia Gomes Carvalho

O Governo aprovou na reunião do Conselho de Ministros desta terça-feira uma proposta de lei para permitir o licenciamento de novas empresas na Zona Franca da Madeira (ZFM) por mais um ano, mas, agora, com regras mais apertadas para a atribuição da redução do IRC.

Como está em causa uma alteração ao Estatuto dos Benefícios Fiscais, a proposta segue para o Parlamento, porque os deputados têm de se pronunciar quando se trata de legislação tributária.

O diploma do Governo inclui ainda outras alterações em matéria de benefícios fiscais, como por exemplo a prorrogação por cinco anos dos incentivos “com demonstrada eficácia e eficiência para as políticas públicas”.

No caso da ZFM, o Governo propõe ao Parlamento prorrogar o licenciamento de empresas até 31 de Dezembro de 2021, em vez de fazer um prolongamento por três anos, como pretendia o PSD, porque as orientações da Comissão Europeia relativas aos auxílios estatais com finalidade regional — como é o caso da ZFM — só permitem a prorrogação até ao final do próximo ano, de resto, como Espanha decidiu para a Zona Especial Canária.

O modelo fiscal actualmente em vigor, o chamado regime IV, permite o licenciamento de novas entidades no centro de negócios madeirense até ao final deste ano, garantindo às empresas um IRC de 5% até 2027 e outros incentivos fiscais.

A prorrogação do regime IV implicará um ajustamento das regras, para corrigir os problemas que Bruxelas detectou ao investigar a forma como Portugal tem atribuído as ajudas, sem verificar se os postos de trabalho que dão origem aos benefícios fiscais eram criados e mantidos na Madeira, e sem condicionar a atribuição dos incentivos fiscais aos lucros resultantes das actividades efectivamente realizadas na Madeira.

Quando a Comissão Europeia aprovou o regime fiscal III — anterior ao actual — condicionou a redução do IRC ao número de postos de trabalho criados ou mantidos na Madeira e exigiu que os lucros aos quais se aplicasse a redução do imposto (na altura, com taxas de 3%, 4% ou 5%, consoante os anos) resultassem de actividades económicas que fossem de facto realizadas na Madeira, e não foram. E ao fiscalizar a aplicação das regras, verificou uma série de desconformidades, desde empregos a tempo parcial contabilizados para o acesso ao benefício fiscal de IRC como se os trabalhadores exercessem a actividade a tempo inteiro, a uma multiplicação dos empregos pelo facto de as mesmas pessoas serem consideradas como trabalhadores em várias empresas.

Perante as desconformidades, Bruxelas considera que as regras têm sido aplicadas de uma forma ilícita, o que viola as regras de concorrência no mercado interno, e exige que Portugal recupere as ajudas junto das empresas que beneficiaram de uma redução do IRC de forma indevida. Terá de o fazer em relação àquelas que foram licenciadas ao abrigo do regime III e que beneficiaram de auxílios indevidos superiores a 200 mil euros por ano.

Embora este problema tenha sido identificado em relação às empresas do regime III, é extensível ao regime IV em todas as situações em que a atribuição do benefício esteja a ser feita sem ter em conta a localização dos lucros e dos postos de trabalho. Daí que o Governo, ao decidir estender o regime por mais um ano, esteja a fazer mudanças na lei. Para já, o comunicado do Conselho de Ministros não detalha as alterações.

Organizar o reembolso

Portugal tem oito meses para recuperar as ajudas ilegais. Para isso, o Governo já fez saber ao Parlamento que irá mandatar a directora-geral da autoridade tributária (AT) nacional, Helena Borges, para que o fisco nacional coordene o plano, em articulação com a autoridade tributária regional (AT-RAM).

O plano tem de estar desenhado dentro de quatro meses e ser executado nos quatro seguintes, explicou no Parlamento há dias o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes.

Para isso, terá de existir uma articulação entre Lisboa e o Funchal, porque há algumas empresas sediadas na ZFM que são fiscalizadas pela Unidade dos Grandes Contribuintes da AT nacional (24 grandes empresas), mas as restantes são acompanhadas pela AT-RAM, que responde perante o governo e o parlamento regionais.

Ao realizar a sua investigação aprofundada, a Comissão Europeia analisou a lista completa dos trabalhadores das empresas da ZFM e chegou a três conclusões. Uma parte significativa dos empregos (cerca de 40% em 2012 e 30% em 2013) que deram origem a benefícios fiscais eram membros dos conselhos de administração e podiam exercer funções em muitas outras empresas (fazendo multiplicar o número de postos de trabalho).

Ao mesmo tempo, “apenas 65 % dos empregos comunicados para 2012 e 2013 são ocupados por pessoas cujos nomes figuram unicamente associados às respectivas empresas beneficiárias”. E verificou ainda que “os trabalhadores que trabalharam apenas uma pequena parte do ano fiscal foram contados como se tivessem trabalhado todo o ano para o cálculo do número de empregos”.

Bruxelas já tinha chegado a esta conclusão em 2018, quando decidiu que o regime estava a ser aplicado de uma forma ilegal e confirmou essa interpretação agora, ao declarar, de forma definitiva, que Portugal tem de ir recuperar as ajudas.

A fundamentação

No caso dos postos de trabalho, o que conta para a Comissão Europeia é o facto de as orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional que permitiram a aprovação do regime IV em 2007 se basearem no princípio de que a “criação de emprego” exige um “aumento líquido do número de trabalhadores directamente empregados no estabelecimento considerado em comparação com a média dos 12 meses anteriores”, implicando deduzir o número “aparente de postos de trabalho criados durante o período de doze meses em questão os postos de trabalho eventualmente suprimidos durante o mesmo período” — o que exige a criação real de empregos na região —, ao mesmo tempo que o trabalho a tempo parcial e o trabalho sazonal devem ser consideradas fracções de unidades de trabalho anuais e não de forma idêntica ao trabalho permanente.

Na decisão preliminar, Bruxelas admitia que esta definição “não foi incluída nas decisões de aprovação da Comissão” e “não está incluída na parte relativa ao auxílio ao funcionamento das OAR de 2007”, mas fundamentava que ela “é utilizada na prática da Comissão para efeitos de apreciação de todos os auxílios com finalidade regional e, uma vez que é claramente estabelecida nas OAR de 2007”, as decisões da Comissão não tinham “necessariamente de a incluir no texto” de aprovação do regime português.

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