Morreu Charlie Daniels, ícone da música country e voz de The Devil Went Down To Georgia

Membro da geração hippie tornado amplo conservador, Daniels colaborou com Dylan, Cohen e Starr antes de, como frontman, escrever os seus maiores êxitos.

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Charlie Daniels em 1980 Rick Diamond / Getty Images

People say I’m no good and crazy as a loon/ ‘Cause I get stoned in the morning and drunk in the afternoon”, expunha Charlie Daniels na entrada de Long Haired Country Boy. A faixa de 1975, uma das grandes canções no catálogo do músico (a principal será The Devil Went Down To Georgia, assinada em 1979) era uma celebração contracultura da liberdade de expressão e movimento pela qual a geração hippie tanto havia lutado. No refrão, concretizava: “I ain’t askin’ nobody for nothin’ if I can’t get it on my own/ If you don’t like the way I’m livin’ just leave this long haired country boy alone.” O artista, voz activa da revolução country do início da década de 70, morreu em Nashville esta segunda-feira, vítima de um AVC, aos 83 anos.

Charles Edward Daniels ​nasceu na cidade de Wilmington, na Carolina do Norte, e cresceu com a música do seu lado. O pai, William Carlton Daniels, era um lenhador que tocava violino e guitarra. Charles ainda era um adolescente quando começou a aprender os dois instrumentos e, no fim dos anos 50, criara já os Jaguars, o seu primeiro grupo. As primeiras grandes oportunidades surgiriam na década seguinte, afirmando-se como profícuo músico de estúdio em gravações de Bob Dylan, Leonard Cohen ou Ringo Starr. Nashville Skyline, de Dylan, por exemplo, tinha as suas linhas de baixo, e Songs of Love and Hate, um dos muitos álbuns transcendentes de Cohen, contou com o seu violino.

Em nome próprio, com a Charlie Daniels Band, o cantautor criaria, em 1974, a Volunteer Jam, uma série de concertos que começou por decorrer numa base anual antes de, no fim da década de 1980, essa periodicidade se esfumar ligeiramente, e na qual vários artistas juntavam-se ao grupo para uma descontraída sessão de improvisação no palco. Por esta espécie de festival passaram nomes como Stevie Ray Vaughan, James Brown, os Lynyrd Skynyrd — que, em 1979, fizeram na Volunteer Jam a sua primeira apresentação depois do acidente de aviação que, dois anos antes, ditara a morte de três dos seus membros e a primeira separação — ou a Allman Brothers Band.

Foi justamente a planta sonora da Allman Brothers Band, aponta o New York Times, com duas guitarras de improvisação e dois bateristas, que Daniels adaptou para a sua banda. Depois de sucessos modestos com The South’s Gonna Do It — um tirar do chapéu aos Lynyrd Skynyrd, aos ZZ Top e a outros ícones sulistas na linha da frente do country rock dos anos 70 —, Uneasy Rider ou a já citada Long Haired Country Boy, a escalada nas tabelas de vendas surgiu com The Devil Went Down To Georgia, canção em que o protagonista desafia o diabo para um duelo de violino.

Os anos 80 trariam uma mudança de postura. Trocando os ideais da cultura contracorrente por uma visão assumidamente conservadora, Daniels escreveria temas com uma tónica bem diferente da até então habitual, como In America ou (What The World Needs Is) A Few More Rednecks. No seu livro Ain’t No Rag: Freedom, Family and the Flag, editado em 1993, deixava transparecer um espírito patriota e citava a Segunda Emenda à Constituição dos Estados Unidos. Dez anos mais tarde, escreveria uma “carta aberta ao pessoal de Hollywood”, defendendo a posição de George W. Bush na ocupação do Iraque. “Vocês têm de sair de Hollywood de vez em quando e ver o mundo real. Digam a um agricultor com os filhos na guerra que os Estados Unidos não têm o direito de se defender.”

Em 2014, o artista lembrou o seu período com Bob Dylan através de Off The Grid: Doin’ It Dylan, um álbum de covers do mito por detrás de Like a Rolling Stone ou The Times They Are a-Changin’. Em 2016, a sua carreira foi reconhecida com um lugar no Corredor da Fama da Música Country. Autor de uma obra conflituosa, Charlie Daniels morreu no berço do género ao qual se dedicou durante toda a vida.

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