Como poderá ser o ensino durante e após a pandemia?

E este é, também, um dos grandes desafios que se colocam às escolas. A escola sempre foi um lugar de desafios.

Foto
Tiago Lopes

Como é do domínio público, a nível mundial, os governos têm procurado implementar medidas para contenção da transmissão do novo coronavírus na salvaguarda das vidas humanas e na capacidade de resposta dos serviços nacionais de saúde.

Em Portugal, uma das medidas governamentais foi a suspensão das atividades letivas e não letivas presenciais desde o dia 16/03/2020, por força do Decreto-Lei 10-A/2020, de 13 de março, o qual estabelece medidas excecionais e temporárias relativas à situação epidemiológica do novo Coronavírus - covid-19 (onde se inclui a suspensão das atividades letivas e não letivas) e, posteriormente, do Decreto do Presidente da República nº 14-A/2020, de 18 de março, o qual declara o estado de emergência, com fundamento na verificação de uma situação de calamidade pública.

É perante esta realidade que uma das perguntas por certo mais recorrentes no pensamento de pais, alunos, docentes, ministro da Educação e secretários de Estado e da sociedade civil é: “Como poderá ser o ensino durante a pandemia e após a mesma?”

Ora, mesmo sabendo que, por certo, esta minha reflexão não responderá a uma tão atual e complexa pergunta, entendi, no entanto, deixar aqui uma breve reflexão.

O momento que vivemos é não só um grande desafio para os sistemas educativos, mas também e principalmente, uma oportunidade e um desafio para desenvolver outras formas alternativas de ensinar e transmitir conhecimento.

Assim, numa primeira nota prévia e por reconhecer que em Educação se uma cabeça pensa bem, duas pensam melhor e várias melhor ainda, considero essencial, salvo melhor opinião, a organização em tempo útil de um debate amplo com pessoas, instituições e organizações ligadas à educação (com as escolas também a serem convocadas) para reflexão sobre esta matéria para melhor preparação e organização do futuro próximo da Educação.

Antes de elencar sugestões não de pormenor mas em forma de tópico (para ser mais fácil sistematizar) e apenas aquelas que salvo melhor opinião, considero serem prioritárias, deixo aqui uma segunda nota prévia – é necessário manter a ligação das escolas aos alunos até final do ano letivo. Logo, o Ensino à Distância está para ficar!!!

Num primeiro momento e para melhor compreensão e contextualização, comecemos por ver algumas das principais evidências que emergiram de 16 de março (início da suspensão das atividades letivas e não letivas) até hoje:

  1. Numa primeira fase, o Ministério da Educação tomou medidas para apoiar as escolas e os seus professores e os alunos na organização ensino à distância, com a criação de um sítio eletrónico para apoio às escolas.
  2. A Escola sempre foi um lugar de desafios. E de procura de oportunidades. E, agora, fortemente solidária. Nestas últimas semanas de suspensão das atividades letivas e não letivas, as escolas e os seus docentes demonstraram uma grande capacidade e ​competência nos processos que implementaram. Foram incansáveis, totalmente disponíveis, empenhadíssimos. Por aqui, nunca foi, como nunca será, um problema, antes uma solução.
  3. Mas, pese todo esse esforço e empenho, a verdade é que não estávamos todos preparados para esta nova e inesperada forma de interação pedagógica à distância.
  4. Assim, esta situação imprevista acarretou um volume substancial de trabalho nas tarefas dos docentes para que os alunos pudessem manter rotinas de trabalho diárias durante a suspensão das atividades letivas, recorrendo aos meios tecnológicos para comunicação à distância. Mesmo nas situações em que o próprio conhecimento e prática no uso dos dispositivos e das ferramentas não foi o melhor, ninguém desistiu e foram procurar aprender.
  5. Há que reconhecer inquestionavelmente o papel e função dos docentes nestas semanas. Atribuir-lhes um louvor é o mínimo que se exige.
  6. Verificou-se alguma acentuação de assimetrias e de constrangimentos (alunos e professores) por menor conhecimento e prática no uso de dispositivos e ferramentas e/ou não acesso à Internet ou meios informáticos. O trabalho pedagógico à distância via plataformas nem sempre cumpriu a sua finalidade primeira, porque não chegou a todos, em muitos agrupamentos e escolas, pese noutros ter havido muito boas, excelentes experiências, com grande qualidade. Mas, parece-me que à escala nacional, de expressão curta. A educação inclusiva assim ficou comprometida.
  7. Também se verificou, aqui e ali, um volume de trabalhos para casa, muito diverso e nem sempre sistematizado, dando alguma inconsistência aos processos, muitos deles sem interação nem retorno.
  8. Num segundo momento desta fase, o Ministério da Educação divulgou às escolas um documento “Roteiro - 8 Princípios Orientadores para a Implementação do Ensino a Distância (E@D) nas Escolas”.
  9. Reconhece-se ainda o trabalho que se afigura ter sido deveras incessante e nada fácil dos gabinetes do Ministério da Educação na análise das situações, quase minuto a minuto, para apoiar as escolas. Neste contexto particular, uma nota justa: O secretário de Estado e Adjunto da Educação, João Costa, que nos habitou a uma enorme disponibilidade e proximidade quando não havia a atual situação de confinamento, continuou a estar na linha da frente, manifestando total disponibilidade e proximidade junto das escolas.

Chegados aqui, pergunta-se: “E agora?” Bem, agora, nada vai ficar como dantes.

Ficam aqui, então e por último, alguns tópicos para reflexão sobre como se pode preparar melhor o caminho para um ensino à distância até ao final do 3.º Período (só pensei na educação pré-escolar e no ensino básico que são as realidades que melhor conheço e domino):

  1. Haver serenidade e ponderação por parte de todos.
  2. Pensar no coletivo.
  3. Ter em conta que nem os alunos, nem os docentes estão ainda preparados.
  4. Ter em consideração que há pais/encarregados de educação que, para acompanhar os filhos nas tarefas escolares, precisam de condições e formação que não têm.
  5. Reconhecer-se que a maioria dos equipamentos informáticos das escolas são antigos e que, na maioria das situações, a internet é fraca e intermitente.
  6. Garantir a todos as condições/conhecimentos técnicos, bem como disponibilidade material para a necessária conexão e interação à distância.
  7. Mobilizar as autarquias e outros parceiros estratégicos, como por exemplo, as empresas ligadas ao mundo tecnológico e digital e os operadores das redes de Internet. Todos os alunos têm que ter acesso a equipamentos e ferramentas digitais que permitam a todos ter acesso ao ensino à distância. Não podemos ter alunos de primeira e alunos de segunda. Nem Escola Pública que não possa cumprir a sua nobre missão. E, muito menos, criarem-se novas assimetrias entre Escolas Públicas (Estatais) e Escolas Privadas (Não Estatais).
  8. Definir os procedimentos para a avaliação final do 3.º Período (a qual deverá ter caráter exclusivamente formativo).
  9. Anular a realização das Provas de Aferição.
  10. Suspender, no presente ano letivo, a realização das Provas Finais do 9.º ano.
  11. Apostar, no tempo próximo que aí vem e transitoriamente, no recurso à TV, em sinal aberto. Para o 1.º e 2.º ciclos, inquestionavelmente!!!
  12. Apostar para os alunos do 3.º ciclo igualmente no recurso à TV, em sinal aberto, em paralelo com a utilização de uma ou duas plataformas que cheguem a todos os alunos.
  13. Repensar-se o calendário escolar do próximo ano letivo, de modo a que os conteúdos programáticos por lecionar, as aprendizagens essenciais e competências por adquirir e que se constituam como requisito para as aprendizagens sequenciais, sejam garantidas aos alunos.
  14. Por último, a nível micro e no quadro da autonomia das escolas/agrupamentos, partindo do “Roteiro - 8 Princípios Orientadores para a Implementação do Ensino a Distância (E@D) nas Escolas”, acima referido, pensarem-se em linhas orientadoras chave para a eficácia e qualidade do processo a consagrar em sede do Plano de Ensino à Distância (E@D) de cada escola/agrupamento:
  15. Salvo melhor opinião, deixo aqui algumas linhas orientadoras chave para reflexão:
  • Que a matriz concetual e operacional do Plano de Ensino à Distância (E@D) que cada escola configure seja realista, simples, pragmática e passível de surtir efeito útil no tempo e na substância.
  • Prever no seu Plano de Ensino à Distância (E@D) a articulação de forma complementar, funcional e ponderada dos conteúdos de cada disciplina e em cada ano de escolaridade a transmitir pelo canal de televisão que o Ministério da Educação vai lançar com outras plataformas e ferramentas digitais que a escola já tem acesso e utiliza ou vai utilizar. Cada escola deverá aferir os melhores e mais exequíveis, viáveis meios tecnológicos, entre vários, escolhendo apenas mais uma plataforma.
  • Prever a constituição de uma equipa de monitorização e regulação.
  • Definir um plano de comunicação dirigido a todos assente num e num só canal privilegiado de comunicação.
  • Definir um modelo de E@D flexível para criar rotinas diárias às crianças e aos alunos que se configure, por exemplo, nos seguintes eixos estruturantes:

- Ter uma mancha semanal fixa com um horário flexível entre cinco a sete horas diárias, conforme o nível de ensino;
- Apresentar a duração das tarefas/atividades diárias diferentes por nível de ensino;
- Estabelecer o número limite de tarefas/atividades síncronas (com ponderação) e assíncronas por dia;
- Fixar intervalos entre cada tarefa/atividade;
- Indicar o número de atividades semanais de interação social, lúdicas e de bem-estar emocional dos alunos por nível de ensino;
- Estabelecer um horário semanal para esclarecimento de dúvidas;
- Indicar para cada grupo/turma um plano semanal de trabalho concebido pelos conselhos de docentes e diretores de turma, em articulação com a equipa de monitorização;
- Assegurar a prevenção de situações de isolamento de alunos (a operacionalizar por exemplo, pelo psicólogo, professores tutores e professores da Educação Especial, outros, …);
- Prever a constituição de equipa de apoio multidisciplinar para as decisões pedagógicas e de apoio tecnológico;
- Prever a (auto)formação possível e no imediato dos docentes como Web Teachers na utilização prática do uso de dispositivos e ferramentas digitais.

O tempo, mesmo à distância uns dos outros, deve ser de proximidade e de partilha. Entre todos, escolas, professores. Todos queremos o melhor para as nossas crianças e alunos.

Reconheço que todo este processo de constituição e implementação do Ensino à Distância e de um plano E@A em cada escola/agrupamento é um processo dinâmico, de reflexão e de reconstrução constantes para uma melhoria contínua e sistemática.

E este é, também, um dos grandes desafios que se colocam às escolas.

A Escola sempre foi um lugar de desafios. Já está abraçar, com força, este novo desafio?…

Sugerir correcção
Ler 1 comentários