#resistiremos: restaurantes em tempo de pandemia

Sem poder receber clientes dentro de portas por causa da pandemia do coronavírus, os restaurantes estão a reinventar-se: vouchers, take-away, entregas em casa. E só nós, consumidores, podemos ajudá-los nesta luta pela sobrevivência.

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Dar a volta, encontrar soluções, puxar pela imaginação. O mundo mudou de repente para toda a gente. E os restaurantes sentiram o impacto de uma forma avassaladora.

Os clientes já tinham começado a desaparecer mais ou menos gradualmente com a multiplicação de notícias sobre o coronavírus quando o Governo pediu a restrição do número de pessoas dentro de cada estabelecimento. Foram retiradas mesas e aumentadas as distâncias. Mas logo de seguida chegou o estado de emergência e a indicação de que seria preciso fechar as portas.

Com os contactos sociais reduzidos ao mínimo, chefs, cozinheiros e donos de restaurantes lançaram as mãos à cabeça. O que fazer às equipas? Como assegurar os ordenados? Como pagar a renda e todas as outras contas? Como não falhar aos fornecedores?

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Nelson Garrido

“Temos que encontrar maneiras de sobreviver, sejam elas quais forem”, diz Miguel Peres, do restaurante Pigmeu, em Lisboa. “Cada um tem que procurar ser criativo dentro do seu negócio.” O Pigmeu, uma operação relativamente pequena, em Campo de Ourique, lançou-se no caminho que muitos outros começam também a seguir por estes dias: fazer refeições para entrega ao domicílio.

Mas desde esta semana decidiu ir um pouco mais longe e reinventou-se também como uma espécie de mercearia. Miguel explica: “É uma forma de ajudarmos a escoar os produtos dos nossos fornecedores. Alguns não estão dependentes dos restaurantes, mas outros sim, e esses sofreram quebras brutais. O nosso objectivo foi manter activas as encomendas aos fornecedores e levar mercearias às casas das pessoas.” Entregam pão, carne, legumes, fruta, ervas aromáticas, charcutaria, doces, conservas, vinho e produtos de higiene (encomendas de terça a quinta para receber sábado ou de sexta a segunda para receber na quarta).

Por estes dias é assim: montar a operação, perceber como pô-la em prática, anunciá-la nas redes sociais. “Decidimos reforçar a ligação entre produtor e consumidor”, lançou o Pigmeu num post no Instagram no início da semana, acompanhado pela #estamosjuntos. Dias antes, num outro post, sexta-feira 13, ainda antes das ordens do Governo, tinha anunciado a decisão de encerrar portas, com uma explicação: “Não devíamos ser nós, que o que sabemos fazer são bifanas, a decidir fechar o negócio para a contenção de uma pandemia. Fechamos para a segurança de todos. Continuaremos a trabalhar por encomenda com cuidados redobrados porque pretendemos manter todos os empregos e sobreviver a esta crise. Algo que nos parece muito difícil, visto que os nossos custos fixos se mantêm enquanto estivermos fechados. Mas não desistiremos!”

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O Pigmeu está agora a funcionar também como mercearia dr

Bernardo Agrela tem uma operação muito pequena, em Lisboa, o East Mambo, casa de kebabs, onde, para além dele, trabalha apenas mais um cozinheiro. Quando lhe ligamos está a montar uma operação para lançar no fim-de-semana (sexta, dia 27 e sábado, 28), um pop-up juntamente com outro restaurante lisboeta, o Queimado, para “criar um menu de fusão de churrasco envolto em pão pita caseiro, salada, molhos e extras para entrega ou para recolher e ajudar a quebrar a monotonia da autoquarentena”. Chamaram-lhe The Social Distancing Pop-Up.

A ideia é alargar a iniciativa a mais alguns restaurantes e conseguir que o dinheiro permita pelo menos pagar as contas enquanto o estado de emergência vigorar e as medidas de contenção tiverem que ser respeitadas. Havia uma coisa que Bernardo tinha muito clara: não queria utilizar as grandes empresas de entregas ao domicílio, às quais têm que pagar 30% de uma margem que já é curta”. Por isso, procurou uma alternativa.

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Bernardo Agrela decidiu criar uma cooperativa de entregas ao domicílio. Ricardo Lopes

“Decidi criar uma associação cooperativa de entrega ao domicílio. Os restaurantes pagam uma taxa e as entregas são feitas através da associação”, explica. Mas este é um mundo completamente novo, é preciso calcular quantos motoristas de moto serão necessários e, para isso, seria preciso saber quantas encomendas irão ter, o que é impossível antes da noite do pop-up. São detalhes de um negócio novo, de uma nova maneira de pensar e de trabalhar.

Hugo Brito, do Boi Cavalo, em Alfama, Lisboa, tem igualmente no centro das suas preocupações encontrar uma forma de continuar a pagar salários aos seus dois funcionários. Por isso, lembrou-se de um projecto que vinha adiando mas que achou que era altura de lançar. Nasceu esta semana o Phoi-Cavalo & Chicken, que junta o Pho, que Hugo já tinha feito durante um pop-up ligado à Trienal de Arquitectura, e o frango frito. “Assim”, explica, “continuo a utilizar a cozinha e a dar trabalho à equipa”.

Exactamente a mesma lógica de André Magalhães na Taberna da Rua das Flores: manter a operação em funcionamento, apenas para take-away à porta ou entregas em casa (tal como os outros restaurantes dos mesmos sócios, o Mercado Oriental, no Martim Moniz) e com “comida de tacho” para dar resposta a famílias mais numerosas. Também se pode encomendar vinho, ao preço “de prateleira”. São os novos tempos da Taberna em Casa.

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A Taberna da Rua das Flores está a fazer take-away e entregas Miguel Manso

Uma boa notícia para os muitos fãs do Pudim do Abade, o célebre pudim Abade de Priscos de Miguel Oliveira, é que este também está disponível para encomendas que serão entregues em casa (tamanho familiar e mini, validade de três meses), tal como os brigadeiros da Brigadeirando da Lx Factory. Da mesma forma, O Talho, de Kiko Martins, anunciou que está a fazer entregas ao domicílio.

Puxar pela imaginação

Ninguém tem respostas. Cada um tenta ensaiar soluções para um problema que afectou a todos por igual. Os grandes grupos da restauração, com centenas ou milhares de empregados, podem ter uma base financeira mais sólida mas têm também encargos muito maiores. Os restaurantes mais pequenos têm menos encargos mas dependem do dinheiro que ganham a cada dia para pagar as contas no final do mês. Sem dinheiro em caixa não podem sequer comprar os produtos para cozinhar e é aí que o prejuízo começa a reflectir-se em toda a cadeia.

Uma das primeiras ideias que o sector da restauração lançou para tentar assegurar a sobrevivência mais imediata foi a dos vouchers – compre agora para usufruir mais tarde. É o caso, entre outros, do Feitoria do Hotel Altis Belém (uma estrela Michelin), do Attla, em Lisboa, que, para além do menu take-away, disponibiliza vouchers com validade de cinco meses. O Kanazawa, de Paulo Morais, o restaurante japonês que, com apenas oito lugares ao balcão, faz parte dessas estruturas mais frágeis e com mais dificuldades em aguentar o impacto da crise, também tem vouchers. No Porto, o Almeja, que fechou no dia 14 de Março, lançou vouchers com 15% de desconto e está a disponibilizar receitas nas stories do Intragram.

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O Kanazawa tem vouchers: compre agora para comer quando a crise passar dr

Dentro dos take-away/entregas, cada um tenta também puxar pela imaginação para ter uma oferta diferente. O restaurante Cavalariça, na Comporta, de Bruno Caseiro e Filipa Gonçalves, propõe pizzas, lasanhas de novilho ou vegetarianas, empadão de bacalhau, patés fumados, vinhos, sobremesas e cocktails que “precisam apenas de gelo quando chegam a casa”. E ainda o pão “de côdea estaladiça e fermentação lenta” porque “em tempos difíceis, pão quente e manteiga gulosa podem fazer muito pela sanidade mental” de quem está em isolamento.

Voltando a Lisboa, a Taberna do Calhau, de Leopoldo Garcia Calhau, reabre a 1 de Abril com serviço de take-away, com pratos já feitos e outros para os clientes finalizarem em casa, com guarnições, caldos, molhos; mas também vai vender vinhos, azeite, enchidos e queijos. Os restaurantes italianos de Tanka Sapkota, Come Prima e Forno d’Oro, entregam em casa “pizzas napolitanas, massas frescas e tiramisu”, entre outras coisas.

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A Taberna do Calhau aposta no take-away e nas entregas dr

Os grandes grupos também estão a apostar nas entregas. É o caso da Plateform que, depois de num primeiro momento ter anunciado o encerramento dos seus muitos restaurantes, decidiu lançar os serviços de delivery para Lisboa, Porto e Coimbra (numa primeira fase), com Honorato, Wok to Walk, Vitaminas, Coyo Taco, Big Fish Poke e ainda Tapisco, o (recém-inaugurado) Honest Greens, a pizzaria ZeroZero e as lojas DeliDelux.

Outro grupo, o Non Basta (restaurantes Pasta Non Basta e Memória) optou por um serviço de entregas próprio para as suas pizzas e outras especialidades italianas (pode-se encomendar massas frescas para cozinhar em casa ou ingredientes para fazer a pizza), o que garante que a totalidade da receita vá para o restaurante e não para as empresas de entrega.

Um dos primeiros a anunciar que passava a ter take-away/entregas foi o grupo Quina, de Vítor Sobral, com as suas Tasca da Esquina, Peixaria da Esquina, Talho da Esquina e as Padarias da Esquina, tudo em Lisboa. Outro que aproveitou a crise para inovar, lançando um projecto que já estava na calha, foi o grupo Sea Me, com os novos hambúrgueres Olívia, com uma variedade de nove hambúrgueres (um deles vegetariano), em serviço de entregas em casa.

Também as empresas de comunicação e outras que dão apoio ao universo da restauração estão a trabalhar para encontrar soluções que ajudem neste momento de crise. Patrícia Conde, da Nuts, que, entre outras coisas, organiza o evento Mulheres com Tomates, conta que uma das ideias que estão a desenvolver é a criação de uma plataforma que junte cozinheiros e marcas ligadas à alimentação para ver como é que se conjugam as necessidades de uns com as disponibilidades dos outros.

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Muitos restaurantes esperam que em tempo de crise os clientes não desapareçam completamente e encomendem para comer em casa Nelson Garrido

A Makro, que vive muito do trabalho com os restaurantes, já está a apoiar projectos solidários fornecendo produto que tinha em stock, nomeadamente peixe que estava nas lojas. Também em fase de reformular o negócio, agora com mais procura por parte de mercearias, hospitais, bombeiros e outras instituições, diz Isabel Caeiro, da Makro, a empresa está disponível para ajudar, mas, sublinha, a situação “tem que ser avaliada dia a dia, semana a semana”.

Os tempos são de incerteza. Todo o negócio está a reinventar-se. Pela sobrevivência. Como promete o hashtag que Miguel Peres, do Pigmeu, colocou num dos seus posts no Instagram: #resistiremos.

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