Dia 4: As guerras entre irmãos estão ao rubro?

Uma mãe/avó e uma filha/mãe falam de educação infantil. De birras e mal-entendidos, de raivas e perplexidade, mas também dos momentos bons. Para avós e mães, separadas pela quarentena, e não só.

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@designer.sandraf

Querida Filha,

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Quando oiço a história de Caim e Abel, e de como a raiva e o ciúme do primeiro o levou a matar o segundo, a minha solidariedade vai sempre para a pobre Eva, que certamente teve de aturar anos a fio as guerras entre eles. Para dizer a verdade, admira-me é que não tenha sido ela a esganá-los.

Não é preciso ter muita imaginação para suspeitar que sem escola, e obrigados a esta quarentena, as guerras entre os irmãos estejam ao rubro.

Até podemos ter lido os livros todos, e saber que não devemos tomar partido, ensinando-os a negociar em lugar de se espancarem, mas quando os pais já andam tão preocupados com esta pandemia, deve ser impossível não perder a cabeça ao vê-los aos gritos por causa de um comando de televisão, ou porque uma comeu o iogurte que era da outra.

Suponho que, a esta hora, deves estar a perceber porque é que a recomendação é de que os netos se mantenham longe dos avós — ter uma avó a meter-se no assunto é, com certeza, tudo o que uma mãe neste momento não precisa. É claro que, em teoria, uma avó podia ficar caladinha, mas diz-me a experiência que quando nos sentimos “ensanduichados” entre filhos e netos é quase impossível resistir a meter a colher.

Dá-me notícias. Temo pela tua sanidade mental.

Xxx

Mummy


Mãe,

Este vírus está a fazer-nos escolher entre os nossos filhos e os nossos pais. Começámos por escolher os pais – mesmo sacrificando a ajuda tão grande que nos dão e que, tantas vezes, desvalorizamos! Decidimos ficar fechados com os nossos pequenos terroristas para o vosso bem. Mas passado estes primeiros dias, estou a reponderar a decisão em troca de umas horas em sua casa enquanto me sento num degrau a respirar fundo...

Estou a brincar (mais ou menos) porque, de facto, o que nos pedem parece impossível de sustentar por muitas semanas. Duas são supostas ser a trabalhar para a escola, com o ministro a vociferar que não estão de férias, pondo uma pressão absurda sobre os miúdos e as famílias. Será que ele acha mesmo que é suposto manterem um ritmo semelhante em casa com distracções, irmãos, pais, falta de recreio e exercício físico?

A experiência da hora dos TPC normais e dos conflitos que gera entre pais e filhos já é difícil, imagine-se um currículo inteiro! Entretanto, a que está no pré-escolar está aborrecida de morte e a querer que brinque com ela, e o E. faz tudo o que um bebé de 2 anos é suposto fazer – infelizmente nada disso inclui colaborar com os objectivos de todos os outros. Tudo isto, obviamente, enquanto tento teletrabalhar e tratar de tudo o resto em casa.

Também não contabilizei a minha própria ansiedade. Muita dela vem do que vemos nas redes sociais, das expectativas de, agora que estamos com eles, aproveitar a vida familiar fazendo não sei quantas actividades juntos, sem esquecer que é preciso mostrar trabalho não ao patrão, mas ao “instaboss”. 

Tudo isso torna o desafio de lidar com as discussões entre eles num mega desafio. Por um lado, queremos que percebam o “esforço de guerra” e que sejam uns anjos perante o desafio, por outro esquecemo-nos de que eles também estão muito tensos e ansiosos. Tal como nós, com o pavio curto. 

Por isso a minha primeira resolução não é resolver conflitos entre irmãos é largar a expectativa de que eles não aconteçam! Pelo menos assim não fico tão desesperada.


No Birras de Mãe, uma avó/ mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, vão diariamente escrever-se, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. Na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam.
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