A vaca ainda pode voar mais alto

A manter-se esta decisão, o PCP corre o risco de ver a sua representação parlamentar ainda mais diminuída, por exemplo, já em 2023.

Na altura, quando em 2015 o PS assinou os acordos com o BE, PCP e PEV, compreendeu-se a natureza do compromisso que resultou da aproximação política daqueles partidos, considerando o histórico desentendimento entre eles. Estava-se numa situação de emergência nacional, com a direita unida a ganhar as eleições e a reivindicar a governação do país. A solução encontrada permitiu ao PS constituir governo, e ao BE, PCP e PEV garantir as condições de aplicação dos acordos assinados e, noutras matérias, ir-se tão longe quanto as condições políticas lhes permitiam ir. Essa estratégia, à luz dos resultados das eleições de 6 de Outubro, acabou por ser bem-sucedida. No seu conjunto, a solução política obteve mais três pontos percentuais do que em 2105 e mais 15 deputados. Com este resultado ficou legitimada a natureza da convergência e, mais importante, a população viu melhoradas, em vários aspectos, as suas condições de vida. Por isso, pode-se afirmar que o teste se revelou particularmente positivo.

Quando se analisam os resultados eleitorais de cada um daqueles partidos verifica-se que o ganhador foi o PS, tendo progredido mais quatro pontos percentuais e mais 20 deputados. Estes ganhos são explicáveis à luz da natureza dos próprios acordos e do seu sucesso. Sendo um governo exclusivamente constituído por ministros do PS, cabendo a este partido prestar contas das medidas executadas e tendo, na sua maior parte, ido ao encontro do que, no imediato, era necessário fazer, não é surpreendente que fosse ele a recolher os respectivos méritos eleitorais. Esta lógica fez com que BE, PCP e PEV tivessem ficado, respectivamente, na penumbra e na sombra dos resultados obtidos pelo PS.

Foram opostas as reacções do BE e do PCP aos respectivos valores eleitorais. Enquanto o BE abria as portas a um entendimento com o PS em condições a estabelecer, o PCP não dava azo à exploração de compromissos formais, remetendo a sua posição para as medidas que, caso a caso, venham a ser apresentadas pelo Governo. Ora esta posição encontra justificação quando se coloca o valor dos resultados eleitorais à frente da influência política. Embora haja alguma correlação entre os dois, foi sobretudo pela sua influência política que o PCP teve a importância que se lhe reconhece em muitas medidas que acabaram por ser adoptadas pelo Governo. A declaração de que se excluía da futura solução governativa representa um gesto de fraqueza, considerando as palavras do secretário-geral do PS na própria noite eleitoral. A manifestação de que fizera um balanço positivo dos últimos quatro anos era deixar que as conversações bilaterais ditassem a fórmula de compromisso que era possível alcançar. Incluindo a participação no Conselho de Ministros.

A manter-se esta decisão, o PCP corre o risco de ver a sua representação parlamentar ainda mais diminuída, por exemplo, já em 2023. Basta, por exemplo, o Governo tomar como suas as propostas do PCP, em parte ou na sua totalidade, para ser ele a obter o respectivo retorno político. Não há que fugir desta realidade: é quem aplica e executa as medidas que obtém o apoio popular, no caso de corresponderem aos seus anseios. Ao fim de 45 anos de regime democrático e depois de várias dezenas de eleições, já não basta ter boas propostas, é indispensável estar-se em condições de as poder concretizar.

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