Sinsal: o festival na Galiza onde nunca se sabe ao que se vai

Até domingo, passarão pela ilha de San Simón, na ria de Vigo, 17 projectos musicais que só são revelados diariamente, quando lá se chega. Mantendo o segredo, o festival arrancou esta quinta-feira com uma dica: haverá muitas mulheres nesta edição.

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As londrinas Big Joanie inauguraram esta edição do Sinsal OLALLA LOJO
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Os bilhetes para os quatro dias do festival estão já esgotados há algum tempo OLALLA LOJO
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Só à chegada à ilha de San Simón o público fica a conhecer o cartaz do festival OLALLA LOJO

A caminho desde Vigo até Redondela, horas antes de o festival começar, desvendamos o primeiro segredo da programação da edição deste ano do Sinsal, que arrancou esta quinta-feira para, até domingo, apresentar um cartaz que se mantém desconhecido até ao momento em que se chega ao recinto. 

Na carrinha que segue até ao porto, onde nos espera o barco que serve de transporte para a ilha de San Simón, vão também as londrinas Big Joanie. Carregado com os seus instrumentos, o trio punk entra num barco com capacidade para menos de dez pessoas em direcção aos dois pedaços de terra unidos por uma ponte que se avistam das margens da ria de Vigo. Deixava de ser segredo para nós, mas continuava a sê-lo para o público, que não pode chegar à ilha se não através das embarcações que saem dos portos de Vigo ou de Meirande – uma viagem de ida, ao início da tarde, com regresso à noite. Ali aportado, fica finalmente a conhecer o alinhamento do dia.

É assim desde 2003, ano da primeira edição do festival: o mistério é parte do charme deste evento que, só pela localização, está já um passo à frente na conquista do público. Nesta edição, três palcos receberão 17 projectos musicais – o cartaz de domingo repete o de sábado. Noutros anos, passaram pelo Sinsal nomes como Alt-J, Maika Makovski, Dan DeaconOwen Pallet, Camila Moreno, Nakhane, Anna Meredith, Of Montreal, Malándromeda, El Guincho, Fantastic Negrito, Maria Arnal & Marcel Bagé, Bonnie Prince Billy, La Dame Blanche ou Cosmo Sheldrake. A ideia será juntar mais nomes ao quadro de honra.

Repleta de vegetação, a ilha esconde entre a flora outros segredos. Visitada desde a época pré-romana, serviu de inspiração ao trovador Meendinho, no século XIII, para as suas cantigas de amigo, parte da herança cultural galaico-portuguesa. Do lado mais negro da História, sobram as memórias das milhares de pessoas executadas pelas tropas de Franco na Guerra Civil espanhola – uma placa à entrada da ilha assegura que o tempo não esqueça esse período.

Antes disso, foi lazareto para albergar leprosos e outros pacientes com doenças infecto-contagiosas, e também local de cárcere. Parte da meia dúzia de edifícios que existe na ilha foi construída para esse efeito. Reza a lenda que por ali terá passado também o temível pirata Francis Drake, nas suas incursões corsárias do século XVI.

Actualmente, San Simón acolhe eventos culturais e residências artísticas. Mas, por estes dias, é o Sinsal que ocupa aquela área que se atravessa a pé, de ponta a ponta, em cerca de cinco minutos. Já há algum tempo que os bilhetes (800 ingressos diários) para os quatro dias estão esgotados.

Sem dinheiro nem beatas

No Sinsal, não há dinheiro físico a circular. Nada se paga com notas ou moedas. Na pulseira que dá acesso ao recinto, há um chip que pode ser carregado via cartão multibanco. O saldo vai sendo descontado nas várias bancas de comida e bebida espalhadas pelo recinto. Há avisos que dão conta da consciência ambiental que o festival conserva como parte do seu ADN. Pratos e copos, recicláveis, são trocados nos pontos de venda. Não há informações em papel – quem precisar de consultar horários do alinhamento (desconhecido), tem de recorrer ao QR code disponibilizado pela organização, que remete para uma página online. Outro aviso vai para a tolerância zero às beatas de cigarros no chão. Nas primeiras horas do evento, o público estava a cumprir escrupulosamente essa medida. Os vários cinzeiros espalhados facilitam essa tarefa.

Ao início da tarde desta quinta-feira, já tinham actuado as Big Joanie e a cantautora espanhola Lídia Damunt, para uma plateia que tomou a ilha. O punk feminista desleixado das primeiras casou bem com o intimismo mais focado da segunda. Até ao fim do dia, tocariam ainda os norte-americanos Mattiel, a belga-caribenha Charlotte Adigéry e os ganeses Fra!. O cartaz dos próximos dias continua desconhecido. Seguro é que muitos dos projectos que por ali passarão serão maioritariamente femininos, parte de uma aposta intencional da organização, que seguiu esse princípio desde o momento em que escolheu a primeira banda para o cartaz deste ano.

O PÚBLICO viajou a convite do Sinsal

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