“Tom forte” sobre atrasos nas pensões responde a “silêncio ensurdecedor” de Vieira da Silva

Maria Lúcia Amaral alerta para a questão dos recursos humanos no Estado e diz que PREVPAP é “um remendo” que não resolve problema de renovação geracional.

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Maria Lúcia Amaral está no cargo de Provedora de Justiça há um ano. Rui Gaudêncio

No relatório que apresentou no final de Maio, a provedora de Justiça, Maria Lúcia Amaral, já tinha usado palavras duras para dar conta do desespero das cerca de mil pessoas que, no ano passado, se queixaram dos atrasos na atribuição de pensões da Segurança Social. Nesta quarta-feira, durante uma audição do Parlamento, justificou que assumiu essa posição como resposta ao “silêncio ensurdecedor” da tutela perante os sucessivos apelos deixados pelo Provedor de Justiça para que o problema fosse resolvido.

“O tom forte que usei decorre do facto de ter queixas de quase mil cidadãos em situações de uma precariedade imensa” começou por dizer. “O silêncio da tutela foi um silêncio ensurdecedor, [face] ao comportamento habitual das entidades visadas pelo Provedor de Justiça”, acrescentou Maria Lúcia Amaral durante a audição na comissão parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

“Apenas me opus ao silêncio do responsável político, que nada tinha dito”, afirmou a provedora, referindo-se ao ministro do Trabalho e Segurança Social, Vieira da Silva.

No relatório de 2018, a provedora de Justiça dá conta de 923 queixas relacionadas com atrasos “vexatórios" na atribuição de pensões de velhice, invalidez e sobrevivência, (mais do triplo das que foram recebidas em 2017) e de relatos de “desespero” e de “angústia” de pessoas que se vêem privadas de qualquer rendimento por tempo indeterminado, que são obrigadas a trabalhar além da idade legal ou que não conseguem receber as pensões nos países em que residem porque o Centro Nacional de Pensões (CNP) não transmite a informação necessária.

O assunto não é novo e quando esteve no Parlamento no ano passado, Maria Lúcia Amaral já tinha alertado para ele, assim como os seus antecessores. “Quando, depois disto tudo, tenho um aumento de 39% de queixas era meu dever usar, quanto a este tema, a linguagem que usei porque entendi que a instituição já tinha feito ao decisor político advertências suficientes”, disse nesta quarta-feira.

“Habitualmente a administração colabora e o CNP tem sido, no meio desta aflição, extraordinariamente colaborante com os nossos serviços. Apenas me opus ao silêncio do responsável político que nada tinha dito”, afirmou perante os deputados.

Também nesta quarta-feira, o ministro das Finanças, Mário Centeno, foi confrontado com o problema dos atrasos nas pensões, estimando que em 2019 serão processadas 163,5 mil novas pensões, o que representará um aumento de 50% face a 2014 e de 30% em relação a 2018. 

PREVPAP é “um remendo”

Durante a audição, a provedora de Justiça alertou também para as dificuldades de recursos humanos que a Administração Pública enfrenta.

“É outro tema que precisa de spotlight” do Parlamento, desafiou. “Está a sair uma geração de funcionários que poderia transmitir ensinamentos e boas práticas a quem vem e essa relève [renovação] geracional, não estamos a conseguir fazê-la”, lamentou, acrescentando que a entrada de precários nos quadros não vai resolver este problema.

“Não é o PREVPAP [Programa de Regularização Extraordinária de Vínculos Precários da Administração Pública] - que é um remédio, que é um remendo - que vai conseguir assegurar isso. É um problema básico que temos”, afirmou.

No relatório, Maria Lúcia Amaral dava conta de 60 queixas relacionadas com o PREVPAP onde “está em causa, não a actuação das entidades públicas envolvidas no programa e a sua aplicação ao caso concreto, mas o mérito deste programa e as suas disfuncionalidades e iniquidades”.

A provedora recomendava, no documento, uma reflexão sobre o programa e sobre o regime de recrutamento na Administração Pública e alerta que lhe têm chegado “ecos” de que em alguns serviços que regularizaram trabalhadores ao abrigo do PREVPAP “continuam, ainda hoje e já depois daquela regularização, a utilizar-se os instrumentos de contratação que estiveram na génese das situações de precariedade a que se quis pôr fim”.

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