Ex-vice-cônsul julgado: a mulher misteriosa e um piscar de olho em pleno tribunal

Adelino Vera-Cruz Pinto é acusado de ter desfalcado uma paróquia brasileira. No primeiro dia de julgamento remeteu-se ao silêncio.

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O momento passou despercebido aos três juízes que começaram esta quinta-feira em Lisboa a julgar o ex-vice-cônsul de Portugal em Porto Alegre, Adelino Vera-Cruz Pinto. E não foi porque estivessem desatentos. Nem tão pouco estava distraído o procurador, que acusa o antigo diplomata de uma gigantesca burla, num caso com contornos cinematográficos. Nenhum dos magistrados viu o piscar de olho de Margarida Silva ao arguido, em plena sala de audiências, por uma razão muito simples: a mulher vestida de verde seco só fez o sinal quando se apanhou de costas para os juízes.

Margarida Silva privou com Adelino Vera-Cruz Pinto, um homem de quase 57 anos que ainda mantém uma aura de sedutor, e sobre o qual pairam fortes suspeitas de ter desfalcado a igreja brasileira em 2,5 milhões de reais, qualquer coisa como 962,6 mil euros. Uma maquia paga pela arquidiocese de Porto Alegre entre 2010 e 2011 a título de caução para um donativo de quase quatro milhões, que o vice-cônsul se comprometeu a arranjar através de uma suposta organização não-governamental belga, para restaurar duas igrejas de origem portuguesa naquela região do Brasil.

Mas os padres nunca mais viram a cor ao dinheiro que lhe entregaram. Diz o Ministério Público que o então vice-cônsul gastou parte dele a liquidar os empréstimos bancários que usou para comprar duas casas, mas também num carro e em várias aplicações financeiras. Levava uma vida desafogada. Só que Adelino Vera-Cruz Pinto, que esta quinta-feira se remeteu ao silêncio em tribunal naquela que foi a primeira audiência de julgamento do seu processo, alega que também ele foi enganado e por uma mulher, que serviria de intermediária do projecto de restauro e lhe terá ficado com os 2,5 milhões de reais.

Pormenor: ninguém sabe onde pára essa misteriosa figura feminina, que o vice-cônsul dizia ser filha de um antigo ministro português e pessoa muito influente. Os padres brasileiros chegaram a encontrar-se com ela e com Adelino Vera-Cruz Pinto na Basílica da Estrela, em Lisboa. “Foram recebidos por uma senhora que se apresentou como sendo Teresa Falcão e Cunha. Tinha uma peruca e usava óculos escuros”, descreve a acusação. Os investigadores nunca perceberam como conseguiu o ex-vice-cônsul receber a comitiva na basílica.

“Nunca a vi. Mas assinei um documento a dizer que ela existia, e até dei uma entrevista a confirmá-lo”, admitiu aos juízes uma funcionária do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras que chegou a relacionar-se com Vera-Cruz Pinto. Porquê? Simplesmente porque o vice-cônsul, que chegou a ser procurado pela Interpol, lho pediu. E ela, que tinha perdido o pai há pouco tempo e entrado em depressão, acedeu.

Foi esta funcionária que o pôs em contacto com Margarida Silva, hoje reformada. Segundo explicou a funcionária do SEF, o vice-cônsul recorreu aos seus “tratamentos espirituais”. Além de lhe ter ficado com 2500 euros, que pediu emprestado mas nunca pagou, e de lhe ter entregado para guardar documentação vária, incluindo títulos de propriedade dos seus apartamentos. Margarida Silva alegou várias vezes perante os juízes que não se recordava bem do que se tinha passado, até porque sofria de bipolaridade. Que nem nunca tinha percebido que o homem era vice-cônsul. Quando as coisas lhe começaram a cheirar a esturro cortou relações com ele, assegurou.

Mas esta quinta-feira em tribunal acabou por não resistir a piscar-lhe o olho por trás dos óculos graduados, depois de um depoimento repleto de “não sei”, “talvez” e “não me lembro”.

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