“O Presidente intervém por necessidade” e fica calado “por necessidade”

Marcelo Rebelo de Sousa justifica o silêncio a que se remeteu durante a ameaça de crise política como necessário para não perder “liberdade” para intervir depois, caso fosse preciso. “Tudo aquilo que dissesse nesse período de tempo, acabava por condicioná-lo”, afirmou.

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Ao fim de 11 dias, Marcelo explicou o seu silêncio rui gaudencio

É “por necessidade” que o Presidente da República intervém tantas vezes, mas também é “por necessidade” que pode ficar calado “uma, duas ou três semanas”. Ao fim de 11 dias, Marcelo Rebelo de Sousa explicou porque é que não disse nada, nem em público nem em privado, sobre a ameaça de demissão do primeiro-ministro. “Tudo aquilo que dissesse nesse período de tempo acabava por condicioná-lo”, afirmou.

Com o habitual sentido pedagógico, explicou aos jornalistas essa sua decisão: “O Presidente tinha nas suas mãos três situações que se acumulavam: a primeira era uma lei que estava na ponta final de aprovação e, portanto, não podia estar a comentá-la. A segunda era o facto de [a crise] acontecer a uma semana da campanha eleitoral, embora já se vivesse em clima de campanha. E a terceira é que havia, pela primeira vez na legislatura, um eventual cenário de crise institucional, envolvendo dois órgãos de soberania. E o Presidente poderia ter de intervir, promulgando ou vetando a lei e decidindo sobre a crise institucional se ela chegasse a existir”.

Portanto, acrescentou, “tudo aquilo que dissesse nesse período de tempo, acabava por condicioná-lo, não o deixar de mãos livres para as decisões que viesse a ter de tomar”. Por isso, decidiu não intervir, “como aliás outros Presidentes fizeram em situações análogas”. E não intervir, explicou ainda, “significa não se pronunciar, não receber partidos políticos e significa não convocar líderes partidários”. Nem mesmo se estes o pedissem, como fez Assunção Cristas, sem sucesso.

Só a 7 de Junho, já depois das eleições europeias, é que o Presidente vai voltar a ouvir os partidos, no âmbito das rondas trimestrais que costuma fazer e antes das férias e da campanha para as legislativas. Até lá, promete ter “uma agenda muito apagada, que se resume a actos, poucos, e que não interferem minimamente com a campanha eleitoral”.

Questionado sobre os cenários políticos que podiam ter acontecido – se vetava ou promulgava a lei da contagem integral do tempo de serviço dos professores ou se dissolvia o Parlamento – recusou responder. Nem mesmo sobre as consequências políticas da ameaça de crise quis dizer fosse o que fosse: “Como imaginam, não vou comentar agora, em plena campanha eleitoral, a realidade partidária.” Aliás, afirmou que nem sequer vai pronunciar-se sobre o diploma do Governo que devolve algum tempo de serviço às restantes carreiras especiais da função pública. “Tenho esse diploma, penso que o prazo para decidir termina logo a seguir às eleições. Ainda não tomei nenhuma decisão. Estamos em período de campanha eleitoral. Tudo o que eu diga sobre esse tipo de matérias neste momento é interferir num dos temas da campanha”, esclareceu.

Só admitiu dizer que foi apanhado de surpresa com a ameaça de crise política no regresso da viagem à China. “Claro. O Presidente quando partiu para a China não tinha dados nenhuns que apontassem para a necessidade de intervir preventivamente e portanto, quando voltou, olhando para uma lei no final da sua aprovação, para uma campanha que começava uma semana depois, olhando para eventual existência de uma crise de contornos ainda a confirmar, o Presidente entendeu que devia esperar, ver se havia diploma ou não, se havia crise ou não”.

Marcelo está certo que a sua decisão de se remeter ao silêncio é bem aceite. “Os portugueses percebem perfeitamente que o Presidente intervém para prevenir crises - no caso vertente deparou-se com a crise à chegada da China e, portanto, não tinha podido preveni-la -, ou intervém para decidir crises e não foi preciso”.

Mas também vai dizendo que “os portugueses têm de se habituar a que quem intervém muito não o faz por uma mania, por um estilo ou uma obsessão. Intervém por uma necessidade. E quando entende que a necessidade impõe estar calado uma semana, duas semanas, três semanas, tão depressa está calado como falava todos os dias.”

Berardo: Marcelo quer “decoro” e respeito pelas instituições

Questionado sobre as declarações de Joe Berardo na Comissão de Inquérito à Caixa Geral de Depósitos, o Presidente pediu “decoro” e “uma maneira respeitosa de tratar as instituições”. “Quem tem posições de maior relevo tem também maior responsabilidade”, disse. “Têm de ter a noção da sua responsabilidade perante a comunidade, na forma como se relacionam com a comunidade, e têm de respeitar as instituições, a começar nas instituições do poder político. E respeitar significa ter decoro, ter uma maneira respeitosa de tratar com essas instituições”, sublinhou.

Marcelo Rebelo de Sousa começou por sublinhar as especiais responsabilidades “das personalidades que foram condecoradas por mais de um Presidente, nos anos 80 e depois no começo do século, que tiveram relevo indiscutível em momentos importantes de decisão no quadro do sistema económico e financeiro”.

Referia-se aos Presidentes Ramalho Eanes e Jorge Sampaio: o primeiro atribuiu a Joe Berardo o grau de comendador em 1985 e o segundo distinguiu-o em 2004 com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique, concedida a “quem houver prestado serviços relevantes a Portugal, no país e no estrangeiro, assim como serviços de expansão da cultura portuguesa ou para conhecimento de Portugal, da sua história e dos seus valores”, tal como é referido no sítio da Presidência.

“É bom que as pessoas que são importantes, ou que foram em determinado momento, tenham a noção de que a importância tem um preço. Quanto mais importantes, mais responsáveis a todos os níveis”, concluiu o Presidente.

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