O ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva deu uma entrevista na prisão a dois jornais na sexta-feira, em que afirmou que o Brasil “não pode estar governado por esse bando de malucos”, referindo-se a Jair Bolsonaro e aos seus próximos. O Presidente deu uma resposta surpreendente: “Pelo menos não é um bando de cachaceiros, né?”.

“Vamos fazer uma autocrítica geral nesse país. O que não pode [acontecer] é esse país estar governado por esse bando de malucos. O país não merece isso e sobretudo o povo não merece isso”, afirmou o antigo chefe de Estado, numa entrevista conjunta concedida aos jornais Folha de São Paulo e El País, após várias peripécias judiciais. Para o líder histórico do Partido Trabalhista (PT), que já foi condenado em dois processos no âmbito de investigações de corrupção na mega-operação Lava-Jato, onde tem de responder noutros casos, mas que continua a defender a sua inocência, a elite brasileira deveria fazer uma autocrítica depois da eleição de Bolsonaro.

“Tivemos uma eleição atípica no Brasil. Vamos ser francos. O papel das fake news na campanha, a quantidade de mentira, a robotização da campanha na Internet foi uma coisa maluca. E depois a falta de sensibilidade dos sectores de esquerda de não se unir. A coisa foi tão maluca que a Marina Silva, que quase foi Presidenta em 2014, teve 1% dos votos. Eu nunca tinha visto o povo com tanto ódio nas ruas”, afirmou Lula da Silva.

Visou directamente Jair Bolsonaro, e o seu estilo de governação, aterrando directamente na guerra entre o Presidente e o seu vice, alimentada quase diariamente nas redes sociais por um dos seus filhos, Carlos Bolsonaro: “O inimigo central dele, além do PT, é o vice-presidente, Hamilton Mourão. Quer dizer, é uma loucura. Ele passa a agredir os deputados, depois tenta agradar os deputados, diz que está fazendo a nova política, e faz a mesma, porque ele é um velho político. O país está subordinado à ingovernabilidade.”

Jair Bolsonaro reagiu à divulgação das entrevistas, embora não tenha apresentado propriamente argumentos. “Olha, eu acho que o Lula, primeiro, não deveria falar. Falou besteira. Maluco? Quem era o time dele? Grande parte está preso ou está sendo processado”, disse o Presidente, citado pela Folha de São Paulo – um jornal que, diga-se, o actual chefe de Estado brasileiro elegeu como seu inimigo.

Segundo Bolsonaro, Lula “tinha um plano de poder onde, nos finalmentes, nos roubaria a nossa liberdade, tá ok?” – uma declaração que remete para a suspeita de que o Governo do PT seria comunista, uma ideia amplamente desmentida pelos analistas políticos, mas muito utilizada na campanha presidencial bolsonarista.

O ex-presidente Lula disse ainda durante a sua entrevista de duas horas – na primeira oportunidade de falar com jornalistas, desde que foi preso, há um ano – que está determinado em provar a falta de isenção de Sergio Moro, o actual ministro da Justiça, e juiz responsável pelo inquérito da Lava-Jato, e que decretou a sua prisão.

“Eu tenho tanta obsessão de desmascarar o Moro, o Deltan Dallagnol [procurador do grupo de trabalho da Lava Jato em Curitiba] e a sua equipa. Eu ficarei preso 100 anos, mas não trocarei a minha dignidade pela minha liberdade. Eu quero provar a farsa montada”, frisou Lula.

“Eles sabem que eles têm aqui um pernambucano teimoso. É o que eu digo sempre. Quem nasceu em Pernambuco e não morreu de fome até aos cinco anos de idade, não se curva mais a nada”, disse Lula à Folha de São Paulo.