Quanto custa um chichi de Mário Centeno?

Os críticos do défice não parecem ter entendido o principal motivo para se ter conseguido obter resultados tão bons.

Por estes dias, ficámos a saber que o défice orçamental de 2018 é de 0,5% do PIB. Este número é excelente e é uma grande vitória de Mário Centeno. Ninguém, em 2015, no início do seu mandato, se atreveria a prognosticar um valor tão baixo. Com uma previsão de 0,2% para 2019, não é de descartar a hipótese de se chegar mesmo ao zero-vírgula-zero, o que seria um marco na história das finanças públicas portuguesas.

Naturalmente, a forma como este número foi alcançado está sujeita a críticas, mas, neste caso, parece-me que estão a falhar o alvo. A não ser que alguma me esteja a escapar, as principais censuras a Mário Centeno que tenho ouvido e lido neste domínio resumem-se a três: foi conseguido à custa de uma significativa redução do investimento público; a carga fiscal é a mais alta de sempre; não se dá o devido valor ao esforço do governo anterior. As três críticas são factualmente correctas, mas na minha opinião são pouco importantes ou interessantes.

Mário Centeno não é responsável pela aposta numa mais rápida reposição de carreiras dos funcionários públicos. Essa é uma decisão que cabe ao primeiro-ministro e que resulta, em parte, dos acordos que fez à esquerda para governar. A função do ministro das Finanças é controlar quanto e não como se gasta. Centeno tornou absolutamente claro que, em se gastando num lado, não se gasta no outro. Esta tomada de consciência é pedagogicamente muito valiosa e espero que tenha efeitos profilácticos.

A crítica mais comum é a de que este défice foi alcançado com a maior carga fiscal de sempre, o que quer dizer que os impostos aumentaram mais do que o rendimento nacional. Isso é factual. De forma grosseira, a carga fiscal é o valor do total de impostos e contribuições para a segurança social a dividir pelo PIB. É uma espécie de taxa média de imposto nacional. Ora, sempre que alguém recebe um aumento salarial, a sua taxa média de IRS sobe devido à natureza progressiva do mesmo. Mas, obviamente, não é por isso que vamos deixar de querer o aumento salarial. A nível agregado passa-se o mesmo.

Com o PIB a crescer, há uma série de receitas fiscais que, automaticamente, sobem mais do que proporcionalmente. O IRS é um exemplo. Mas o IRC também, dado que há empresas que não pagavam imposto e passam a pagar, bem como as receitas da segurança social (que tecnicamente não são impostos, mas que contam para o apuramento da carga fiscal).

Sempre que um desempregado encontra emprego, as receitas da Segurança Social aumentam em cerca de um terço do salário bruto. Ou seja, a um aumento da carga fiscal não tem de estar associado um aumento das taxas de imposto para pagar essa carga. Claro que se pode argumentar que se poderia manter a carga fiscal, baixando alguns impostos. Essa crítica é legítima, com certeza, mas tendo nós uma dívida pública tão alta não me parece prioritária.

Finalmente, a queixa de que este ministro das Finanças não dá o devido crédito aos anteriores tem razão de ser. O governo anterior herdou um défice de 11% e entregou um de 3%. Uma diminuição bastante maior do que a conseguida por este. Mas, lamento, isto é um jogo político e cabe a cada político puxar a brasa à sua sardinha. É irrealista esperar diferente.

Os críticos do défice não parecem ter entendido o principal motivo para se ter conseguido obter resultados tão bons. O grande mérito está no poder político que António Costa entregou a Mário Centeno. Poder que se reforçou com a eleição de Mário Centeno para presidente do Eurogrupo.

Na literatura científica de Finanças Públicas, este aspecto é muito salientado. Olham para o Orçamento do Estado como um jogo em que de um lado estão os ministros gastadores, cujo sucesso depende da capacidade de gastar dinheiro no seu sector, e do outro está o ministro das Finanças, que, não só tem como missão garantir que as contas não descambam, como não quer ficar conhecido por aumentar impostos. A função de cada ministro, seja o da Saúde, o da Educação ou o das Infra-estruturas, é zelar pela sua pasta. A sua reputação depende disso. Cabe ao primeiro-ministro ter a visão de conjunto.

Com este quadro teórico, é fácil perceber que, quanto mais centralizado o processo orçamental for no ministro das Finanças, menor será o défice. Há vários estudos empíricos que confirmam esta tese. E eles abrangem uma geografia suficientemente ampla (incluindo América Latina, Europa de Leste, União Europeia, entre outros) para acreditarmos nestes resultados.

Fala-se muito em reformas estruturais. Esta é uma potencial reforma estrutural com efeitos muito benéficos: dar mais poderes ao ministro das Finanças. Não tenho nenhuma dúvida de que teria sido impossível reduzir o défice de 11 para 0,5% em meia dúzia de anos se não tivesse sido assim. Agora, aplique-se a mesma receita para o futuro.

Numa conferência, Miguel Beleza, ministro das Finanças de Cavaco Silva, explicou esta dinâmica com muita piada. Disse ele que, sempre que estava reunido em Conselho de Ministros, os outros ministros apenas levavam propostas que implicavam aumentar despesa. Nunca propunham nada para poupar. Era ele que tinha de dizer que não a tudo. Bastava ir à casa de banho que, quando regressava, descobria que os outros ministros tinham aproveitado para aprovar aumentos de despesa nas suas costas. Nas suas palavras, cada chichi do ministro das Finanças custava milhões ao erário público.

O poder que foi conferido a Centeno, um técnico sem particular peso no Partido Socialista e desconhecido do público até há poucos anos, foi assim decisivo para os resultados alcançados. Havendo também vários estudos que mostram que governos que exigem apoio multi-partidário têm tendência a adiar a consolidação de contas, António Costa percebeu que esta delegação de poderes em Mário Centeno era essencial. Mérito de António Costa.

Claro que Centeno soube usar esse poder, como se viu pelo nível de cativações. Ser promovido à presidência do Eurogrupo ter-lhe-á dado ainda maior peso dentro do governo, algo decisivo em ano eleitoral. E esse mérito é dele.

António Costa já percebeu que Mário Centeno é um trunfo eleitoral. Por isso, para contrariar os rumores de que Centeno não fará parte do próximo governo socialista e depois de meses de declarações dúbias a esse respeito, António Costa veio recentemente dizer que gostaria de o ter no próximo governo. É que, respondendo à pergunta do título, o chichi de Centeno vale ouro, é o verdadeiro golden shower.

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