O exemplo de Theresa May

Mais do que derrotada pelas lógicas da política, Theresa May é vítima de um caldo político contaminado pela hipocrisia em que se tornou o “Brexit”.

É impossível não pressentir um drama shakespeariano na forma como Theresa May tem gerido o caos do “Brexit”. Depois de sucessivas derrotas no Parlamento, após incontáveis manifestações de falta de lealdade dos deputados do seu partido, após a tremenda desautorização de que foi alvo no final da semana passada, a primeira-ministra britânica dispõe-se a deixar o cargo.

Pode parecer que esta disponibilidade para a renúncia é o reconhecimento da sua própria derrota pessoal. Pode parecer, mas não é. May sairá se aqueles que no Partido Conservador têm recusado aprovar o acordo negociado com a Comissão Europeia para o “Brexit” o aprovarem. Sairá então não como uma política humilhada, mas como uma governante que se sujeitou a permanentes provações para que se cumpra “o que está certo para o país e para o partido”.

Mais do que derrotada pelas lógicas da política, Theresa May é vítima de um caldo político contaminado pela hipocrisia em que se tornou o “Brexit”. Ninguém sai vivo deste caos que torna o mais velho Parlamento do mundo numa caricatura e uma classe política outrora prestigiada num agrupamento de irresponsáveis sem tino nem direcção.

May, uma adversária do “Brexit”, perde porque tentou dar sentido à vontade nacional expressa no referendo sem abdicar dos interesses do Reino Unido. Ela sabia, toda a gente sabia, que o hard “Brexit” era uma miragem alimentada pela Inglaterra imperial, como sabia que a táctica de querer apenas o melhor dos mundos numa negociação com Bruxelas era irrealista, como sabia que a sua missão principal era gerir o mal menor de um referendo no qual o populismo patrioteiro se impôs ao racionalismo cosmopolita.

May sairá se o seu acordo, o único que parece ser realista face às exigências europeias, vingar, e se essa sua derradeira vontade se cumprir, quem fica no papel de derrotado é a ala extremada do seu partido. Porque, afinal, o que movia esses deputados não era a letra e o espírito do acordo, apenas uma aversão pessoal a May. Depois de duas vezes derrotado, esse acordo ficaria para memória futura como prova de que a primeira-ministra fora realista ao escolher a saída com menores custos para o país.

Não se acredita que o plano de May funcione – embora no caos do “Brexit” tudo seja possível. Mas, para já, fica escrita a razão que a levou a suportar tantas derrotas e humilhações: não foi o apego ao lugar, antes a convicção de que poderia dar um contributo positivo ao maior pesadelo nacional dos britânicos em muitas décadas.

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