Vinte e dois deputados “lelés da cuca”

Não haverá por aí um professor de Ciência Política capaz de ir dar umas aulinhas sobre separação de poderes ao Parlamento?

Há tanta coisa errada nisto que é difícil saber por onde começar. Vinte e dois deputados da nação portuguesa – oito do PS, seis do Bloco de Esquerda, seis do PCP, e dois do PEV – decidiram meter o nariz nos assuntos da justiça brasileira e apelar à libertação de Lula da Silva. Não o fizeram em nome individual, só porque certo dia caíram da cama e descobriram-se anarquistas – fizeram-no invocando o mandato para o qual foram eleitos, já que o vergonhoso texto que subscreveram tem como título “Apelo enviado por Deputados portugueses ao Supremo Tribunal Federal do Brasil”. De-pu-ta-dos por-tu-gue-ses. Vinte e dois deputados de um país democrático decidiram assassinar o pobre Montesquieu, lixar-se para a separação de poderes, e dar conselhos judiciais a um tribunal de outro país democrático. Bravo! E tudo isto sustentado por um texto cheio de delírios políticos e mentiras descaradas.

Cereja em cima do bolo: o abaixo-assinado, dado a conhecer na segunda-feira, surge na sequência da tentativa de um juiz de Porto Alegre libertar Lula da Silva, aproveitando o facto de ser fim-de-semana e ser ele o único juiz de plantão para analisar um habeas corpus propositadamente entregue após o fecho do tribunal. Esse juiz que tentou a libertação de Lula, Rogério Favreto de sua graça, foi durante quase 20 anos membro do PT, exerceu diversos cargos nos governos de Lula e foi nomeado por Dilma Rousseff. Até selfiezinha com o ex-presidente ele tem. Após a bizarra decisão, as queixas contra Favreto choveram no Conselho Nacional de Justiça por violação flagrante do Estado de direito democrático. Exactamente aquilo que poderíamos dizer do patético apelo dos 22 deputados portugueses, entre os quais se encontram os socialistas Fernando Rocha Andrade, Isabel Moreira, João Soares ou Pedro Bacelar de Vasconcelos. Isto não é gente que acha que a Coreia do Norte é uma democracia. Pelo contrário: alguns lutaram ainda pela instauração do regime democrático em Portugal. Mas quando o fanatismo clubístico-partidário desce sobre eles, as mais elementares regras do Estado de direito são rapidamente esquecidas.

As pessoas podem ter a opinião que quiserem sobre Lula da Silva e sobre a justiça ou injustiça da sua prisão. Aquilo que elas não podem dizer é que as decisões de Sérgio Moro não foram escrutinadas pelas várias instâncias judiciais. Os 22 deputados portugueses fingem que o Supremo Tribunal Federal não se pronunciou sobre o caso, classificam Lula como um “preso político” (onde é que eu já ouvi isto?), e decidem dar lições paternalistas aos brasileiros sobre o bom exercício da justiça, até porque, como todos sabemos, a justiça portuguesa é absolutamente exemplar e tem muitas lições a dar ao mundo.

Sejamos sérios. Isto não é uma iniciativa de Arnaldo Matos ou de Arménio Carlos. Aqueles deputados têm de ter noção do que estão a dizer. Basta olhar para a primeira frase do apelo: “O Presidente Lula da Silva, mundialmente reconhecido pelo progresso na redução das desigualdades sociais ao retirar dezenas de milhões de brasileiros da miséria, encontra-se preso na sede da Polícia Federal em Curitiba.” O que é que uma coisa tem a ver com a outra? Na cabeça de um democrata, nada. Na cabeça destes deputados, pelos vistos, tem tudo. Pergunto: não haverá por aí um professor de Ciência Política capaz de ir dar umas aulinhas sobre separação de poderes ao Parlamento? Há pelo menos 22 deputados que estão desesperadamente a precisar.

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