Ministério Público arquiva inquérito ao ajuste directo de navios à Martifer

Despacho final do DCIAP foi assinado seis dias depois de Bruxelas ter aberto um processo de infracção contra Portugal por causa do mesmo contrato.

Foto
Aguiar-Branco foi chamado pelo BE à comissão de Defesa, mas ainda não há data para ser ouvido Ricardo Castelo/NFACTOS

O Ministério Público arquivou o inquérito que investigava no Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) o facto de o Governo de Pedro Passos Coelho ter adjudicado, sem concurso, a construção de dois navios-patrulha oceânicos destinados à Marinha portuguesa a um consórcio liderado pela empresa West Sea (grupo Martifer) em conjunto com a Edisoft, num contrato de 77 milhões de euros.

O procurador Rui Correia Marques, o mesmo magistrado que conduziu e arquivou o inquérito às actividades da empresa Tecnoforma, entendeu que tanto do ponto de vista técnico como económico o facto de não ter sido aberto um concurso público “não violou qualquer norma de natureza penal”, concluindo que a produção da prova não permitiu obter indícios suficientes da prática dos crimes de corrupção (passiva e activa), participação económica em negócio e administração danosa.

O despacho final foi assinado por Correia Marques a 31 de Janeiro deste ano, seis dias depois de Bruxelas ter aberto (e anunciado publicamente) um processo de infracção contra Portugal precisamente por considerar poder ter havido neste mesmo contrato uma aplicação incorrecta, ou uma não aplicação, das regras europeias em matéria de contratação pública.

O DCIAP, coadjuvado pela PJ, procurava apurar se a decisão do anterior Governo, tomada a quatro meses das eleições legislativas de 2015, “resultou de um imperativo de interesse público” ou se constituiu um “acto de favorecimento ilícito” do executivo, “especificamente do Ministério da Defesa” então liderado por José Pedro Aguiar-Branco, actual deputado do PSD.

Na origem da investigação do DCIAP – e também aquela que Bruxelas agora tem em curso – estão factos denunciados pela eurodeputada do PS Ana Gomes, que considerou haver um favorecimento da West Sea, a mesma empresa que em 2013 vencera o concurso da subconcessão dos terrenos, infra-estruturas e alguns equipamentos dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo (ENVC), num processo também ele em investigação no DCIAP num inquérito separado.

Perante o arquivamento, a eurodeputada já enviou uma carta à Procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal, a lamentar o desfecho, que considera “deplorável” ao mesmo tempo em que Bruxelas está a averiguar o caso (Portugal terá de apresentar os seus argumentos durante este mês de Março).

Documentos do projecto

A West Sea é a empresa de construção naval criada pela Martifer em 2013 depois de o grupo ter ganho o concurso da subconcessão dos estaleiros por uma renda anual de 415 mil euros até 2031.

O procurador validou os argumentos então apresentados pelo Governo de Passos Coelho. Refere que, antes da adjudicação directa, houve uma “consulta internacional” junto de fabricantes europeus – não ouvidos pelo procurador. Acrescenta que esses preços eram “muito superiores” e os prazos eram “mais dilatados”. E considera válido o argumento de que os navios não asseguravam uma plena uniformidade com dois outros navios da classe “Viana do Castelo” (construídos nos ENVC) já ao serviço da Marinha.

Recorde-se que em 2012, estava então em cima da mesa o processo de privatização dos ENVC que daria lugar à subconcessão, o ministro da Defesa revogou o contrato (de 2004) para a construção de dois navios-patrulha (avançando com os procedimentos para ser concluída a entrega de um dos actuais dois que servem a Marinha).

O Governo argumentou que a West Sea se capacitou, e era única entidade, com os “activos técnicos, tecnológico e logísticos” que permitiriam construir os dois navios, para que eles fossem idênticos aos dois primeiros da Marinha já executados nos estaleiros navais. Para justificar o ajuste directo foi argumentada a urgência imperiosa de ter operacionais dois novos navios (para cumprir a sua entrega em 2018, na Lei de Programação Militar) face à degradação das corvetas da Marinha.

No despacho final, lido pelo PÚBLICO, o procurador do DICAP sustenta que a reutilização dos projectos dos dois navios anteriores construídos em Viana “não implicou para o Estado português a perda da respectiva propriedade”; e diz não existirem elementos de prova que permitam concluir que essa reutilização se tenha traduzido num benefício ilegítimo em favor do consórcio West Sea/Edisoft”, argumentando que a nova empreitada foi contratada a “um preço inferior” ao dos outros dois navios (95 milhões a preços de 2002).

Aguiar-Branco não foi inquirido no processo. Além dos documentos recolhidos (entre os quais estão as justificações apresentadas ao Tribunal de Contas no processo de fiscalização prévia e o despacho de arquivamento de um processo que correu no Supremo Tribunal Administrativo), as autoridades apenas ouviram o capitão-tenente João Paulo Simões Madeira, a eurodeputada Ana Gomes e José Manuel Silva Mourato, ex-presidente da administração da holding de Defesa Empordef.

Quando Bruxelas abriu o processo de infracção, Aguiar-Branco, deputado do PSD, foi chamado de urgência pelo BE para ser ouvido na comissão parlamentar de Defesa e já foi contactado nesse sentido depois de o requerimento ter sido aprovado a 14 de Fevereiro, mas ainda não há uma data conhecida para a audição.

Sugerir correcção
Ler 16 comentários