Suspeita de corrupção e prejuízo de milhões levam PJ a ministério e estaleiros de Viana

Em causa, crimes de corrupção, administração danosa e participação económica na subconcessão à Martifer e venda de navio à Douro Azul. Ministério da Defesa alvo de buscas.

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A Douro Azul, empresa de Mário Ferreira, comprou o Navio Atlântida aos Estaleiros de Viana Nelson Garrido

O Ministério Público e a Polícia Judiciária suspeitam que a subconcessão dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo (ENVC), no final de 2013, ao grupo português Martifer, um negócio decido pelo anterior Governo PSD/CDS-PP, terá envolvido crimes de corrupção. A administração dos ENVC, uma empresa pública, adjudicou então a subconcessão dos terrenos e infra-estruturas até 2031 ao grupo que detém igualmente os estaleiros navais Navalria, em Aveiro.

Trinta inspectores da Unidade Nacional de Combate à Corrupção da PJ, cinco procuradores e quatro juízes participaram esta sexta-feira nas buscas, no âmbito da Operação Atlantis, que visaram os dois gabinetes dos ENVC, empresa que continua por extinguir, a sua tutela, o Ministério da Defesa (que confirmou as buscas), e a Empordef, S.A., a holding do Estado tutelada por aquele ministério e pelas Finanças.

Os investigadores fizeram também buscas no Porto, em Lisboa, Aveiro — onde a Martifer tem escritórios — e em Torres Vedras. Em Cascais, foi também alvo de buscas a casa do ex-presidente do último conselho de administração dos ENVC, Jorge Camões. Quer em Viana do Castelo, quer em Cascais foi recolhida vasta documentação financeira importante para o desenrolar da investigação.

Foi uma queixa-crime à Procuradoria-Geral da República (PGR) da eurodeputada Ana Gomes, uma certidão extraída do processo das contrapartidas relativas à compra por Portugal de dois submarinos à empresa alemã Ferrostaal, e uma outra queixa da comissão de trabalhadores dos ENVC que levou à abertura do inquérito-crime¸ no Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), no âmbito do qual se fizeram estas buscas. A Ferrostal, recorde-se, chegou a admitir estar interessada na compra dos ENVC, que acabaram concessionados à WestSea, da Martifer, com a qual o PÚBLICO não conseguiu contactar.

O DCIAP e os inspectores da Unidade Nacional de Combate à Corrupção investigam o caso deste 2014 e nesse inquérito estão também em causa alegados “crimes de administração danosa e “participação económica em negócio no âmbito da gestão de estaleiros navais situados no Norte do país”, sublinharam a PJ e a PGR em comunicado. O processo não conta ainda com arguidos, mas entre os suspeitos estarão ex-administradores dos ENVC, não sendo de excluir que a investigação venha a conseguir provas que responsabilizem anteriores governantes, apurou o PÚBLICO.

Douro Azul investigada

A investigação a estes factos levou ainda a PJ ao encontro de outras suspeitas de crimes relacionadas com a venda de um navio dos ENVC ao grupo Douro Azul, empresa portuense de cruzeiros turísticos, também alvo de buscas esta sexta-feira. Neste âmbito, a PJ esteve também numa quinta em Torres Vedras, propriedade de Mário Ferreira, mas, uma vez que a sua companheira é uma juíza de primeira instância, as diligências tiveram de ser acompanhados por dois juízes desembargadores representantes do Conselho Superior da Magistratura. A lei assim obriga, apesar de não existirem quaisquer suspeitas sobre esta magistrada.

Em Setembro de 2014, o Estado português, representado pela comissão liquidatária dos Estaleiros de Viana do Castelo, e o grupo da Douro Azul — através da empresa Mystic Cruises —, de Mário Ferreira, assinam o contrato de compra e venda do navio Atlântida. Um negócio de 8,7 milhões de euros, apesar de o barco estar avaliado em 50 milhões. Meses depois, Mário Ferreira vendeu o mesmo navio por 17 milhões a uma empresa norueguesa.

O navio, um ferry-boat construído nos ENVC por encomenda do Governo Regional dos Açores, foi recusado por não ter as condições técnicas adequadas para assegurar as ligações entre as ilhas do arquipélago (um nó de diferença na velocidade máxima atingida).

A Polícia Judiciária está ainda atenta a um prejuízo de quase 40 milhões ao Estado, gerado no âmbito deste negócio. Em 2009, os ENVC tiveram de pedir um crédito de 40 milhões à Caixa Geral de Depósitos para indemnizarem a Atlânticoline, empresa do Governo Regional dos Açores, pelo incumprimento do caderno de encargos relativo ao navio Atlântida. Era o passo necessário para rescindir o contrato, mas significou lesar as contas do Estado. Os ENVC não tinham dinheiro para a indeminização e o então Governo autorizou a sua administração a recorrer à banca. Dos 40 milhões, os estaleiros só recuperaram 8,7 milhões pagos por Mário Ferreira pelo navio.

“Comprei pelo melhor preço que foi oferecido”

Mário Ferreira comprou o navio Atlântida já depois do percalço do negócio referente aos Açores, face ao incumprimento de um armador grego que tinha vencido o concurso público internacional lançado em Março de 2014 pela empresa pública dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo. A Thesarco Shipping não pagou os quase 13 milhões de euros que tinha proposto para a compra do Atlântida depois de terminado o segundo prazo atribuído ao armador grego para pagar o navio. A Mystic Cruises apresentara a segunda melhor proposta.

“O navio, que só valia o seu peso por não estar certificado para navegar em lado nenhum, foi comprado por mim ao melhor preço que foi oferecido por ele. Fiz uma oferta pelo valor que achei justo já a pensar no que tinha de gastar na sua transformação. Tinha de fazer dinheiro e para tocar viola é preciso ter unhas”, disse Mário Ferreira.

O empresário portuense admitiu “não ser agradável” ter a PJ a entrar na sua empresa, mas salientou estar de “consciência tranquila”.

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