Portugal propõe à UE controlo centralizado das transferências para offshores

Fisco português investiga 165 contribuintes na sequência dos Panama Papers.

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Rocha Andrade diz que ainda não recebeu o relatório da IGF sobre o caso dos offshores Miguel Manso

Para combater de forma mais eficaz a triangulação dos fluxos financeiros que envolvem paraísos fiscais, o Governo português propõe criar um sistema de controlo transnacional de registo das transferências de dinheiro para praças offshores. A sugestão à União Europeia partiu do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Fernando Rocha Andrade, que esteve em Bruxelas nesta terça-feira a ser ouvido no Parlamento Europeu na comissão de inquérito dos Panama Papers.

A ideia foi defendida logo no início de uma audição à qual Rocha Andrade foi chamado para falar da resposta portuguesa às revelações dos documentos do Panamá, mas também do que se passou em Portugal no caso dos quase 10.000 milhões de euros de transferências para offshores que não foram registadas no sistema central da administração tributária.

Além da fiscalização feita pelo Estado da residência de onde partiu uma transferência, seria útil um registo centralizado, a nível internacional, dessas transferências. “É uma sugestão que Portugal deixa às instituições europeias”, afirmou o governante.

Aos eurodeputados, Rocha Andrade explicou sucintamente os contornos do caso português, referindo que o problema informático descoberto em 2016 já foi corrigido. Mas a origem do erro é que ainda não tem resposta neste momento – não é, pelo menos, pública. O secretário de Estado fez saber que ainda não recebeu as conclusões da Inspecção-geral de Finanças (IGF).

A eurodeputada Ana Gomes, vice-presidente da comissão de inquérito, disse ter informação de que a IGF já teria concluído a auditoria, mas Rocha Andrade acabara de dizer que ainda não recebeu o relatório e que se limita a “aguardar pelos resultados dessa investigação”.

Se o caso em Portugal tem motivado desde o início luta política entre o PSD/CDS-PP e os partidos que apoiam o actual Governo do PS, por causa do período em que foram realizadas e comunicadas as polémicas transferências, em Bruxelas a audição de Rocha Andrade tornou-se por momentos num palco de luta política nacional.

Nuno Melo, eurodeputado do CDS-PP, insurgiu-se contra o facto de Rocha Andrade ter invocado, em Março no Parlamento português, sigilo para não revelar quais foram os bancos que comunicaram ao fisco as transferências feitas por clientes para offshores, mas cuja informação não foi tratada pela administração tributária.

Ao deputado centrista, a quem o secretário de Estado lançou farpas pelo “número muito assinável de imprecisões jurídicas”, como confundir segredo profissional com sigilo fiscal, Rocha Andrade insistiu que essa informação está sujeita ao mesmo sigilo fiscal que protege a generalidade dos contribuintes. E quando Ana Gomes perguntou se o Governo tem elementos que relacionem este caso com transferências do BES/GES, Rocha Andrade voltou a dizer que não está em condições de fornecer a identidade das instituições financeiras, frisando mesmo que, por essa razão, não pode sequer confirmar ou desmentir a informação.

Mas a sombra da queda do BES voltaria a pairar durante a sessão parlamentar. A ES Enterprises, a sociedade usada pelo GES como “saco azul” para realizar pagamentos fora dos circuitos oficiais, aparece nos documentos revelados pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (CIJI). E o caso Panama Papers foi sendo falado ao longo da audição.

Rocha Andrade confirmou que o fisco português ainda está a investigar as situações que aparecem nos documentos da firma Mossack Fonseca e já abriu averiguações a 165 contribuintes (singulares e empresas). O ponto de partida, como o PÚBLICO já noticiou, foram mais de 200 casos. E quando se falava da cooperação entre as autoridades portuguesas na investigação ao branqueamento de capitais, o secretário de Estado afirmou: “Tenho indicação de que há uma atenção mais apertada hoje em dia àquelas instituições que fizeram estas transferências ou – se me permite uma nota de humor negro – àquelas que ainda existem”.

Nuno Melo confrontou o governante com o facto de Portugal ter assinado em 2010 um acordo fiscal com o Panamá – a Convenção para Evitar a Dupla Tributação, que entraria em vigor a 10 de Junho de 2012 –, referindo que haveria um acordo secreto (político) para excluir o país centro-americano da lista dos paraísos fiscais. Mas Rocha Andrade disse que “só responde apenas pelas actuações deste Governo”, garantiu que o país da América Central não cumpre os critérios técnicos previstos na lei portuguesa para sair dessa lista e acrescentou que isso mesmo foi transmitido ao Governo do Panamá.

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