Banco de Portugal aplaude lei que obriga fisco a publicar dados dos offshores

Posição do supervisor foi tomada num parecer de Novembro às propostas dos partidos, antes do caso das transferências para offshores.

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A divulgação “permitirá, até, ao Banco de Portugal validar a qualidade dos dados que recolhe” Rita Franca

O Banco de Portugal (BdP) vê vantagens em verter na lei a obrigação de o fisco publicar estatísticas das transferências e envio de fundos para centros offshores, por lhe permitir validar a qualidade da informação que o próprio supervisor recebe das instituições financeiras relativamente às operações de serviços de pagamento relacionadas com contas sediadas em paraísos fiscais e outros territórios de tributação privilegiada.

A posição do banco central liderado por Carlos Costa é anterior ao caso revelado na última semana pelo PÚBLICO dando conta de que o fisco não tratou algumas declarações sobre transferências para offshores num valor próximo de 10.000 milhões de euros relativas a quatro anos (de 2011 a 2014), período que coincide com a ausência de publicação de estatísticas no Portal das Finanças (durante cinco anos: 2011, 2012, 2013, 2014 e 2015).

A avaliação do BdP surge num parecer, com data de 30 de Novembro passado, ao conjunto de novas regras relacionadas com jurisdições offshore, propostas que estão em discussão no Parlamento no grupo de trabalho de combate à criminalidade económica, financeira e fiscal.

Em vez de a obrigação de publicar as estatísticas estar apenas prevista num despacho (de 2010 mas que não foi cumprido em 2011, 2012, 2013, 2014 e 2015), o Bloco de Esquerda propõe que essa obrigação passe a estar inscrita na Lei Geral Tributária (LGT), algo que o BdP considera positivo. “Aplaude-se, assim, a presente iniciativa, que permitirá, até, ao Banco de Portugal validar a qualidade dos dados que recolhe” a partir do conjunto alargado de informação que os bancos estão obrigados a enviar-lhe sobre as operações relacionadas com paraísos fiscais e territórios de tributação privilegiada. “Grande parte dos territórios actualmente identificados” pelo BdP como centros offshores e territórios de tributação privilegiada coincide com a lista dos paraísos fiscais relacionada com as obrigações do bancos em relação à AT.

Já a Inspecção-Geral de Finanças (IGF) – que também se pronunciou antes do caso das offshores ganhar expressão – considerava não ser necessário incluir na LGT essa norma, “visto que a AT já publicou este ano [Abril de 2016] as estatísticas das citadas transferências efectuadas até 2014 e por certo irá continuar a publicar as mesmas para o futuro, à semelhança do que acontece com outras estatísticas relevantes”.

Certo é que não foi isso que aconteceu nos últimos anos. Depois de a AT ter publicado em 2010 as primeiras estatísticas sobre offshores (relativas a 2009), em nenhum momento durante 2011, 2012, 2013, 2014 e 2015 as estatísticas foram publicadas durante os governos de coligação de Pedro Passos Coelho, o que só veio a acontecer em Abril de 2016.

O Banco de Portugal publica estatísticas trimestrais relacionadas com centros offshores mas a informação tem a ver com o valor dos activos internacionais dos bancos portugueses nesses territórios.

A CMVM, no seu parecer às propostas dos partidos, não toma posição, sublinhando que, por estar em causa uma alteração à LGT (de “relações jurídico-tributárias”), dar parecer “não se enquadra no âmbito das competências” da CMVM.

Neste domingo, foi a vez de o PSD anunciar que também vai apresentar uma iniciativa legislativa no mesmo sentido da que o BE apresentou em Maio do ano passado e que entretanto ficou parada, tal como as outras iniciativas em discussão no grupo de trabalho. O objectivo do PSD, precisou à Lusa o deputado Hugo Soares, é que a publicação não dependa de “uma decisão político-administrativa, de um despacho de um secretário de Estado”.

As propostas de cada partido, os pareceres já recebidos e a evolução dos trabalhos parlamentares sobre este assunto podem ser acompanhados no site do Parlamento neste link.

Em Abril do ano passado pensava-se que tinham sido transferidos para offshores 7162 milhões de euros de 2011 a 2014, um valor que veio a revelar-se incorrecto e foi revisto em alta pelo fisco em Dezembro em quase 10.000 milhões de euros (concretamente 9800 milhões), o que significa que durante aqueles quatro anos o valor das transferências foi, afinal, de 16.900 milhões.

Uma diferença que, como o PÚBLICO já noticiou, foi descoberta no ano passado quando foram identificadas discrepâncias no processamento da informação no fisco envolvendo dados de 20 declarações, que estão agora a ser alvo de inspecções tributárias. Foi perante a identificação desse desvio que a 30 de Dezembro de 2016 o gabinete do actual secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Fernando Rocha Andrade, pediu que a Inspecção-Geral de Finanças (IGF) avançasse com uma auditoria à articulação entre o sistema de processamento da informação e a “componente analítica da inspecção tributária”. Isto porque, embora as declarações em causa “tivessem sido remetidas pelas instituições financeiras à AT, ficaram por tratar por esta última, tendo sido processadas informaticamente e objecto de controlo apenas recentemente”, segundo a informação já confirmada ao PÚBLICO pelo Ministério das Finanças.

O caso dos quase 10.000 milhões de euros em transferências para offshores que não sofreram tratamento pela AT não significa necessariamente que representem perda de receita fiscal para o Estado. As operações não reportadas podem dizer respeito a operações em relação às quais pode não haver impostos a pagar; ao mesmo tempo, uma vez descobertas as transferências antes omissas, o fisco ainda pode ir investigar os contribuintes em causa.

Embora o prazo geral para a administração fiscal liquidar imposto seja de quatro anos, a Lei Geral Tributária prevê que nos factos tributários relacionados com as transferências para offshores esse período seja de 12 anos. Mas só existe na lei desde 1 de Janeiro de 2012, medida tomada durante o Governo de Pedro Passos Coelho.

Correcção às 18h23 de de 28/02/17: o valor das transferências conhecido actualmente de 2011 a 2014 não é de 17.900 milhões, como estava escrito; o valor correcto é 16.900 milhões.

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