Consultoria em engenharia e arquitectura – que mercados para os profissionais?

O sector confrontou-se com uma redução da actividade global da ordem dos 38% desde 2010, consequência do forte decréscimo do mercado interno.

A situação vivida pelas empresas do sector da consultoria, mormente a consultoria em engenharia e arquitectura, tem sido violentamente afectada pelo quase desaparecimento do mercado português. A ausência de investimento significativo, público e privado, e a degradação do ritmo e intensidade das operações de manutenção e reposição de condições das infra-estruturas, tem conduzido as empresas à opção pelo mercado internacional, como inevitabilidade e em alguns casos tentativa desesperada de manter a operacionalidade de uma parte das equipas de trabalho, sendo dos sectores em que a exportação mais representa em relação à produção total.

O sector confrontou-se com uma redução da actividade global da ordem dos 38% desde 2010, consequência do forte decréscimo do mercado interno, superior a 55%, no mesmo período, parcialmente compensado com um amplo crescimento das exportações.

Claro está que a opção pelo reforço de intervenção no mercado internacional foi tanto mais simples quanto maior a experiência que as empresas já detinham em matéria de exportação de serviços.

A engenharia e arquitectura portuguesas têm prestígio, vocação internacional, sendo portadoras de modernidade e inovação, mercê da importante participação que este sector teve na modernização e desenvolvimento das infra-estruturas de base portuguesas, fazendo de Portugal um país particularmente bem classificado nos rankings internacionais em matéria de desenvolvimento das infra-estruturas.

Note-se que o sector empresarial mais estruturado – como aquele que se encontra integrado na APPC –, estará a facturar no mercado internacional cerca de 2/3 da sua actividade.

A maior parte dessas exportações têm como destino o espaço dos países com programas de desenvolvimento apoiados na forte exploração de recursos naturais, nomeadamente de combustíveis, como sejam o petróleo, o gás e o carvão, designadamente Angola, Argélia, Brasil ou Moçambique. Estima-se que Angola represente cerca de 2/3 do esforço de internacionalização das empresas de engenharia e arquitectura portuguesas.

Ora, a degradação dos preços das matérias-primas em geral e dos combustíveis em particular, tem introduzido novas dificuldades, estando muitos desses países a enfrentar crises muito profundas nas suas finanças públicas, degradando a capacidade de investimento, provocando atrasos de pagamentos, agravados por inflação e desvalorizações cambiais e afectando a disponibilidade de meios de pagamento internacionais.

Por isso tem vindo a dizer-se, mormente em relação a Angola, que esta situação está a determinar o retorno de parte significativa de profissionais que aí trabalham.

Acontece que, no plano empresarial, esses recursos humanos tendem a não ser necessários em Portugal, onde escasseiam oportunidades de trabalho, pelo que uma boa parte dos profissionais libertados conjunturalmente pelo arrefecimento do ritmo de implementação de empreendimentos no exterior, podem vir a enfrentar dificuldades de integração em trabalhos em Portugal, não se afigurando fácil encontrar alternativas de colocação rápida em outros mercados.

Nestas circunstâncias, pode vir a desenhar-se um novo cenário fortemente negativo para as empresas do sector. Encontram-se confrontadas com decisões muito difíceis, entre a desmobilização de equipas de trabalho, degradando a sua capacidade profissional e organizacional, e as fortes contingências financeiras que resultam de manter a operação e a actividade por mais algum tempo, ainda que se saiba que a transferência dos inerentes recursos para pagamento dos serviços pode vir a encontrar dificuldades, determinando a acumulação de encargos financeiros que anulam ou ultrapassam a margem teórica que resultaria das operações.

Claro está que as empresas têm vindo a procurar e apostar em outras geografias, mas todos sabemos que este é um processo moroso e que requer elevado investimento em recursos humanos e financeiros.

Cremos, pois, que o alívio desta situação passa necessariamente pela possibilidade de as empresas deste sector poderem ter algum apoio em termos de alívio de custos financeiros associados à ultrapassagem dos graves problemas de tesouraria por que vêm passando, ao mesmo tempo que será importante apoiar em diferentes medidas os esforços tendentes à diversificação de mercados.

Finalmente, é decisivamente importante a recuperação do mercado português. Admite-se que o início das operações no quadro do Portugal 2020 e o investimento em infra-estruturas de transportes no quadro das ligações transeuropeias possam vir a ter impacto relevante no sector.

A circunstância de se pretender a consensualização em torno dos grandes projectos parece-nos um elemento extremamente positivo, conferindo estabilidade às decisões e permitindo às empresas a projecção mais segura do que pode ser a sua actividade no futuro próximo.

Aguarda-se também, com grande expectativa, que se aproveite a oportunidade decorrente do processo de transposição da Directiva Comunitária sobre contratação pública para rever aspectos do actual Código da Contratação Pública que se têm revelado trágicos para a sustentabilidade das empresas e para a qualidade dos empreendimentos, pela prevalência do critério do preço mais baixo, na maior parte dos casos ao nível do anormalmente baixo. É imprescindível implementar o principal desígnio da nova Directiva Europeia: contratar a melhor proposta e não necessariamente a mais barata. Há que assumir que os serviços de Engenharia e Arquitectura constituem o principal instrumento para a eficiência, economia e sustentabilidade das obras, públicas e privadas. A sociedade deve encarar esses serviços como um investimento reprodutivo e não como uma mera despesa.

A situação do Sector é muito grave, comprometendo a relevante capacidade das empresas construída e desenvolvida nas últimas décadas e que muito contribuiu para o desenvolvimento do país. Exige-se responsabilidade na definição das políticas de enquadramento da sua actividade.

Presidente da APPC

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