As sondagens influenciam a escolha dos eleitores?

Os inquéritos pré-eleitorais têm apontado para pequenas diferenças entre PS e a direita. Será essa indecisão motivadora para os eleitores irem votar?

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Onde é que o voto muda mais? Nas zonas urbanas do litoral Nuno Ferreira Santos

Classificadas como estudos de opinião, as sondagens tendem a ser estudos que, afinal, influenciam, elas próprias, a opinião e o comportamento dos eleitores? Essa poderá ser uma das explicações para o que se passou no Reino Unido há um mês, quando as sondagens pré-eleitorais não bateram certo com os resultados, mas também para o que já aconteceu em Portugal em algumas eleições.

Como João Soares e Pedro Santana Lopes em 2001 para a Câmara de Lisboa (o socialista aparecia à frente nas sondagens e acabou por perder), ou Rui Rio quando ganhou a Câmara do Porto em 2001 (os estudos não lhe davam a vitória), ou ainda Rui Moreira que conquistou a mesma autarquia com 40% quando as sondagens lhe davam cerca de 26%. E também nas europeias de 2009, quando a maioria das empresas de sondagens colocava, apenas uma semana antes das eleições, o PS a ganhar, e foi o PSD quem acabou por ser o vencedor na noite de 7 de Junho.

Até agora, ainda não houve qualquer caso em legislativas portuguesas. O que falhou – se é que falhou alguma coisa – naqueles episódios esporádicos? Arriscamo-nos a que aconteça em Outubro? É difícil saber porque não há estudos pós-eleitorais que ajudem a explicar a mudança do sentido de voto. Os responsáveis pelos três centros de sondagens que trabalham com a RTP (CESOP-UCP), SIC (Eurosondagem) e TVI (Intercampus) são unânimes na interpretação: os resultados das sondagens pré-eleitorais influenciam a ida às urnas e a opção de voto de parte do eleitorado. De cerca de 500 mil pessoas, pelo menos, avalia Rui Oliveira e Costa, dono da Eurosondagem.

Onde é que o voto muda mais? Nas zonas urbanas do litoral. Dos cerca de 5,5 milhões de eleitores que habitualmente vão às urnas nas legislativas, são 500 mil os que ditam o resultado, os que decidem quem é poder. “É uma circulação de voto ao centro, onde se decide quem é o primeiro-ministro e o Presidente da República”, diz Rui Oliveira e Costa, dono da Eurosondagem.

“Há três tipos de comportamento eleitoral: os fiéis, os que não ligam nada, e os que votam por conveniência”, descreve o director-executivo do CESOP. “Há uma massa de transferência que tem crescido porque há um certo cansaço da política e dos políticos” e é uma questão que já não motiva nem mobiliza como nos anos 70, acrescenta Jorge Cerol.

Sondagens e previsões
As empresas fazem questão de dividir as sondagens em pré-eleitorais (as que se fazem antes do dia das eleições) e as chamadas sondagens à boca da urna (realizadas no dia, à porta de locais de voto), que têm a natureza de previsões. As primeiras são tanto mais falíveis quanto mais distantes estiverem do dia das eleições. Nas segundas, nas palavras do dono da Eurosondagem, Portugal consegue os melhores resultados da Europa, exemplificando com os apenas 0,6 pontos de erro médio, nas legislativas de 2011, das três empresas que trabalham para os canais de sinal aberto.

O mérito, vinca, também é dos portugueses, que “são dos mais sinceros a responder” e o eleitorado nacional “é muito conservador”. “Era pior se tivéssemos aqui um Beppe Grillo.” Mas há um Marinho e Pinto, provocamos. O fenómeno que se revelou nas europeias não baralha as contas das legislativas? E os novos partidos? “Baralha [as contas, as amostras e a extrapolação dos resultados], mas o Marinho teve 2,5% e o Grillo chegou aos 25%. São fenómenos de expressão diferente.”

Esse conservadorismo do eleitorado vê-se nos 70% dos votos que agregam os três partidos do arco da governação (PS, PSD e CDS) – 80% se se juntar a CDU. Numa democracia com 40 anos e tendo em conta a vintena de partidos existentes seria de esperar já uma maior dispersão, diz Oliveira e Costa. Mesmo assim, arrisca que em Outubro o Parlamento deverá passar a acomodar o PDR de Marinho e Pinto, com dois deputados, e o Livre com um a três.

“Analisar algo que se passa daí a 100 dias é um retrato do momento. Não são previsões sobre o que vai acontecer no dia das eleições - era o que as pessoas fariam no dia em que são questionadas”, diz António Salvador, da Intercampus. Por isso a pergunta base anda sempre à volta de ‘se as eleições fossem hoje, em que partido votava?’. “Como não há eleições nesse dia, acaba por não haver nenhuma prova dos factos.”

Sobre o facto de os resultados eleitorais serem substancialmente diferentes do que as sondagens pré-eleitorais apontam, António Salvador defende o trabalho das empresas: “Se todas têm desvios e apontam um cenário idêntico, então é porque estão bem.”

Há várias explicações para as discrepâncias. No caso da disputa entre Santana Lopes e João Soares, em que as sondagens davam a vitória ao segundo mas acabou por ganhar Santana, Salvador fala num episódio de “abstenção por certeza de vitória” – os socialistas acharam que eram ‘favas contadas’ e que não precisavam de ir votar. O mesmo se terá passado com o PS nas europeias de 2009. E o contrário terá sido a mola para a eleição de Nuno Melo como eurodeputado: as sondagens pré-eleitorais eram-lhe desfavoráveis e o centrista será um exemplo de um caso de ‘underdog’, em que os eleitores decidem dar-lhe o voto por aparecer demasiado fraco nas sondagens, descreve António Salvador.

“Se as pessoas acreditam que o partido em que estão a pensar votar vai ganhar porque as sucessivas sondagens o dizem, às vezes isso estimula a abstenção”, vinca Jorge Cerol. Pelo contrário, se as sondagens apontarem para empate técnico, isso é mobilizador para o voto.

O director do CESOP reforça a ideia do eleitor português sincero, que “expressa a sua opinião e não tem problemas em penalizar o seu partido nos inquéritos pré-eleitorais”. “Mas à medida que a mobilização ganha cor, em que não há mais nada na TV além de política, em que os comentadores não falam de outra coisa, em que as sondagens vão aparecendo… sim, a opinião pode ir mudando.”

“Não conseguimos medir a extensão dessa influência”, admite Jorge Cerol. “Mas é certo que se estou completamente às escuras sobre um assunto tenho um comportamento diferente do que se for informado. É normal que possa ficar sugestionado.”

Salvador, que também preside à APODEMO – Associação Portuguesa de Empresas de Estudos de Mercado e Opinião acrescenta outro argumento para defender que, de facto, as sondagens pré-eleitorais condicionam o comportamento dos eleitores. A temática política é a única cujas sondagens e inquéritos são regulados por lei – isso é “a prova de que os políticos reconhecem, de facto, que estes estudos têm poder sobre a opinião pública”.

Os partidos também encomendam sondagens, bem mais exaustivas que as dos media, para prepararem a campanha. Há sondagens qualitativas sobre o que os eleitores esperam dos partidos e dos candidatos, por exemplo, e quantitativas sobre intenções de voto. Há também estudos variados, incluindo em grupos restritos de discussão, sobre o carácter dos candidatos, as suas propostas e promessas, a sua postura na campanha. Mas sobre toda esta preparação de bastidores os partidos não gostam de falar.

Tendo ou não os partidos como clientes, é certo que na altura de definir listas de candidatos há contactos informais entre responsáveis dos partidos e das empresas de sondagens. Há quem queira saber se vale a pena apostar num nome em determinado distrito ou qual o distrito mais fiável por onde candidatar alguém que se quer mesmo eleger. Ou ainda como distribuir a propaganda pelos distritos onde a luta pela eleição se adivinha mais difícil, admite um responsável político. Outro diz que as sondagens da comunicação social servem apenas para aferir se os resultados e tendências globais estão em linha com as que os partidos encomendam.

Os números básicos de umas legislativas são o 230 (deputados) e o 22 (círculos – 18 distritos no continente, duas regiões autónomas, o círculo da Europa e o de fora da Europa). Mas há outros ainda mais importantes para as contas de cada partido: a percentagem mínima de votação que é preciso obter em cada círculo para se eleger um deputado.

As contas são de Rui Oliveira e Costa. Se em Lisboa bastam 1,8%, no Porto a fasquia sobe para 2,1%, seguem-se Braga (4,4%), Setúbal (4,8%), Aveiro (5,2%), Leiria e Santarém (8,2%), Faro, Viseu e Coimbra (9,1%). Nos restantes círculos o esforço é bem maior.

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