Qual é o verdadeiro Tsipras? O que vai a Berlim ou o que vai a Moscovo?

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1. Na sexta-feira o BCE tomou a medida necessária para evitar uma corrida aos bancos gregos na segunda-feira, com mais uma soma superior a mil milhões (não há confirmação oficial do montante). Fê-lo considerando que se está já em fase de “corrida aos bancos”, embora não ainda de pânico generalizado, quando na semana passada foram levantados depósitos no valor de 5 mil milhões de euros (ao todo, desde que o Syriza formou governo, este valor atinge qualquer coisa como 45 mil milhões).

É mais um paliativo para manter a Grécia a respirar. A próxima semana será uma corrida contra o tempo e ninguém pode garantir que acabará bem. A Europa joga o seu destino. O que se está a passar nestes dias em Atenas cria uma enorme perplexidade sobre o que quer Alexis Tsipras que não se pode ignorar. Durante cinco meses, o chefe do Governo grego manteve o seu ar de “bom rapaz”, que desejava realmente um acordo (mesmo contra os sectores mais radicais do Syriza, que não gostam nem da Europa nem do euro) que permitisse à economia respirar melhor. Subitamente mudou de atitude. Não foram apenas as palavras usadas para acusar os seus parceiros europeus (pilhagem, humilhação), foi ter dito que só agora as negociações iriam começar verdadeiramente. O Financial Times classificou a afirmação como lamentável, na medida em que tinha feito toda a gente perder tempo, piorando a situação dos próprios gregos. Quanto ao seu ministro das Finanças, parece que ainda não percebeu que os seus homólogos europeus estão fartos das suas longas dissertações mais ou menos teóricas ensinando-lhes como devem gerir devidamente o euro. Na quinta-feira passada, voltou a brindá-los com um, avisando que serão os povos da Europa a responsabilizá-los pela falta de uma solução viável. Varoufakis ainda não deve ter olhado com a devida atenção para os povos da Europa, cujos sentimentos vão, infelizmente, em sentido contrário. O que Tsipras foi dizer em S. Petersburgo sobre a Europa foi ainda mais lamentável. Levou consigo a construção de um gasoduto para as calendas e pouco mais. Está farto de saber que o que Putin lhe pode oferecer nunca se aproximará daquilo que a Europa já deu à Grécia e pode continuar a dar. O objectivo da visita não era esse: era amedrontar europeus e norte-americanos sobre uma eventual saída da Grécia direitinha para os braços de Moscovo. A radicalização que tem demonstrado nos últimos dias torna legítimas algumas interrogações sobre as suas verdadeiras intenções. Em Frankfurt e em Bruxelas não há qualquer certeza sobre o que tenciona fazer amanhã na reunião dos líderes.

2. Tsipras tem um problema muito difícil para resolver. Há dois anos não lhe passava pela cabeça que poderia vir a governar a Grécia. O Syriza era um partido de protesto, livre para manifestar-se contra o capitalismo, contra a Europa e contra a NATO. Apenas chegou ao poder porque pode somar aos seus votos naturais os votos de uma vasta classe média, cansada de privações e do comportamento dos partidos do sistema (PASOK e Nova Democracia) que, em desespero, quis experimentar um partido diferente. Nunca se converterá ao ideário do Syriza, continua a querer que a Grécia esteja no euro. Manifestou-se pacificamente em Atenas na quinta-feira, empunhando a bandeira azul da União Europeia. Como é que Tsipras vai resolver esta contradição essencial que está na origem do seu mandato? Só por razões ideológicas profundas correria o risco de empurrar os gregos para uma situação que daria bom nome à própria austeridade actual. Mas, para quem conhece bem a origem deste tipo de movimentos, este cenário não é impossível.

O primeiro-ministro grego já cometeu vários erros de avaliação. Acreditou que tinha aliados onde não tinha, apostou na pressão norte-americana sobre Berlim, dada a importância estratégica da Grécia para os Estados Unidos. O resultado também não foi bem o que esperava. É verdade que Washington não percebe porque é que a Europa não consegue resolver o problema grego. Mas Obama não se engana: depois de pressionar todas as partes, nos últimos dias passou a pressionar sobretudo Atenas. Acreditou que a “ameaça” russa, que já utilizou várias vezes, seria outra boa cartada. Não teve o resultado pretendido. Hoje, o Syriza continua a ter um apoio maioritário que lhe garantiria a vitória em novas eleições. Se não chegar a acordo e a Grécia entrar em default, as coisas podem mudar muito rapidamente. Como dizia alguém que acompanha de muito perto o processo, não é possível compreender a sua frieza quando está já em marcha uma corrida aos bancos. A não ser por questões ideológicas. A solidariedade com os gregos, vítimas de um ajustamento brutal, não deve impedir-nos de olhar para esta realidade.

3. Mas tudo tem um reverso e a Europa não está isenta de culpas. Houve erros enormes cometidos nos programas de ajustamento. “Quando foram desenhados, ninguém previa que a economia grega contraísse 27 por cento”. Nós próprios já ouvimos essa história, quando a troika reconheceu que as subida do desemprego para 17 por cento também não estava nos seus cálculos. É um experimentalismo perigoso porque se faz à custa da vida das pessoas. Tudo isto é hoje reconhecido nas altas esferas das instituições e em muitas capitais europeias. Por isso, quando Atenas pede mais tempo para deixar a economia crescer, o seu argumento até parece razoável. Há também muita cegueira política e muita hipocrisia do lado europeu. Que não se fica por aqui. Há cinco anos, a bancarrota grega atingiria duramente os bancos alemães ou franceses (para só falar destes). Hoje, a exposição é muito menor. Quando Schäuble diz que a zona euro está melhor preparada para resistir a um Grexit, não está apenas a falar dos novos mecanismos criados entretanto. Está também a levar esta “limpeza” em conta.

4. Ninguém espera, nesta altura, que a última proposta da Comissão e do BCE venha a ser alterada, quer quanto aos cortes nas pensões mais elevadas, quer quanto ao IVA. A não ser que Atenas apresente outras medidas alternativas de igual valor. A “cenoura” pode ser um compromisso, mesmo que vago, sobre o alívio da dívida (uma dívida de 180 por cento do PIB é insustentável), que Tsipras possa exibir em Atenas e que foi sempre a sua primeira reivindicação. “A única margem de negociação é pôr lá [num acordo] uma frase que sugira que pode haver mais uma reestruturação”, nas palavras de um alto responsável europeu que segue de perto as negociações. “Eles querem que os credores se comprometam por escrito a iniciar uma negociação sobre o alívio da dívida, para prolongar as maturidades ou descer as taxas de juro”, escreve o Monde. O FMI está de acordo. A Europa está muito mais renitente. Além disso, é necessária por parte da Grécia uma atitude um pouco mais cooperante. Esticar a corda pode ser útil numa negociação, desde que se saiba parar antes de partir. Atenas terá de pagar ao FMI no último dia do mês mais uma tranche do empréstimo. Se não cumprir, as consequências serão diferentes no caso de haver acordo ou de não haver. O que falta ainda saber é o que virá a seguir. Um terceiro resgate? Em que condições? Com que resistência por parte dos parceiros de Atenas? Porque os povos europeus não estão com o Syriza. Basta olhar para a Dinamarca, para a Finlândia, para a Alemanha e por aí fora.

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