As presidenciais, as legislativas e a “panela de pressão”

A próxima legislatura não vai ser fácil e ainda precisaremos dela para crescimento e consolidação. A válvula da panela de pressão nunca se tira de imediato.

1. Apesar das declarações recentes, o candidato que ainda desejo ver em Belém é António Guterres. Tem experiência nacional e internacional, sabe construir consensos que serão indispensáveis no pós legislativas e tem sensibilidade social.

Guterres aparentemente não está disponível e percebo-o bem. Foi injustiçado e magoado quando disse a mais pura das verdades – que saía porque o país vivia uma situação de pântano – ou seja que este país é ingovernável, sem uma maioria absoluta parlamentar. Depois ganhou cosmopolitismo, com o cargo que ocupa nas Nações Unidas e é hoje um cidadão do mundo tanto, ou mais, quanto o é de Portugal. Guterres nunca poderia mostrar disponibilidade para candidatura presidencial já pois poria em xeque a sua vontade e disponibilidade para ser candidato a secretário-geral das Nações Unidas. O PS deveria perceber que o único candidato que, à partida, vence qualquer candidato à direita é Guterres e por isso não se pronunciar sobre Presidenciais até às legislativas, não hostilizando, mas não apoiando formalmente, candidatos independentes (e.g. Sampaio da Nóvoa). Mas não há já decisão definitiva com o “não sou candidato a candidato”? Marcelo disse que sim e Santana já derramou algumas lágrimas de crocodilo com a pena que sente de não ter um adversário à altura (leia-se com quem perderia de certeza). Habituado a observar a política, registo como decisões irrevogáveis se tornam revogáveis, de como decisões inabaláveis “nem que Jesus Cristo desça à Terra” se revertem e apesar de Guterres não poder ser confundido com Portas e Marcelo, penso que as suas afirmações não são taxativas e dão ainda espaço a uma candidatura.

Obviamente que as presidenciais devem ser deixadas para depois das legislativas porque só aí se saberá que coligações poderão emergir para formar governo e qual o perfil ideal do Presidente nessa altura. Nas presidenciais, como nas legislativas, há um dilema essencial: ganhar as eleições é uma coisa, ser bom governo (ou Presidente) é outra.

2. As questões essenciais para o país hoje, não são as presidenciais. São perceber quais as políticas públicas de que o país necessita, que instituições e sistemas de governação as suportarão e lhes darão estabilidade temporal renovando a confiança no futuro de portuguesas e portuguesas sem ilusões demagógicas.

Nos últimos anos, houve progressos nalgumas áreas (melhoria das contas externas, maior transparência e controlo orçamental), mas vários problemas importantes agravaram-se (desemprego, peso da dívida no produto, pobreza e exclusão social, emigração jovem, etc.). O país entrou num estado de exceção caracterizado por uma panóplia de medidas de política extraordinárias e supostamente transitórias: a sobretaxa e a taxa de solidariedade no IRS, os cortes salariais, o congelamento das carreiras na função pública, a diminuição de efetivos, a Contribuição Extraordinária de Solidariedade nas pensões mais elevadas, a contribuição extraordinária sobre a banca, e muitas mais poderiam ser elencadas. Todas estas medidas, para serem implementadas e aceites, politica e constitucionalmente, foram apresentadas como transitórias. Temos assim medidas transitórias por um lado e não solução de problemas estruturais por outro. Ainda esperamos por medidas catalisadoras do crescimento económico e emprego, e de propostas para evitar que as pensões cresçam a um ritmo superior ao PIB e às contribuições sociais, como hoje acontece. Em Maio teremos conhecimento do novo Ageing Report da Comissão Europeia. Neste mês de Abril o governo deverá apresentar o seu Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) e esperemos que clarifique aquilo que não fez no Orçamento do Estado para 2015 que é as suas propostas para o crescimento, o emprego e as pensões.

3. A pressão para a supressão das medidas extraordinárias, quer de aumento da receita quer de diminuição da despesa, é enorme. Vivemos assim em ambiente de “panela de pressão” com uma tensão crescente, em particular no Estado, alimentado por uma redução de efetivos e carências graves já nalguns sectores, um envelhecimento da mão de obra e o referido congelamento de carreiras.

A expectativa de que tudo poderá ser significativamente diferente amanhã é alimentada em três vias diferentes. Primeiro, o governo está a tentar convencer os portugueses da ilusão que tudo está quase resolvido. É neste momento o único que acredita que o défice deste ano, sem medidas extraordinárias, será de 2,7% do PIB. As agências de rating ainda não terão percebido, e por isso não tiraram o rating da república do lixo, mas segundo o governo estamos quase. Segundo, o Tribunal Constitucional (TC) também sugere que já não se justificam medidas extraordinárias com um défice menor que 3%. O TC parece esquecer-se que o Pacto de Estabilidade e Crescimento, faz também parte do aquis comunitário e que tem como objetivo um défice estrutural de 1%, ou seja que de acordo com as regras actuais da União Europeia, o período de transição e excepção não termina com o défice excessivo (3%). Terceiro, as oposições clamam ou pela saída do euro (PCP, PCTP, etc.) ou pela recusa da consolidação orçamental e de qualquer redução do défice.

4. Nesta convergência de pressões no mesmo sentido, que fazer? Há aqui duas estratégias possíveis. Uma é ser demagogo no período pré-eleitoral, para vencer eleições e depois, caso se alcance o poder, fazer o oposto do que se prometeu. Foi a estratégia do governo português (que prometeu não cortar pensões nem salários adicionalmente) e do Syriza na Grécia. É relativamente eficaz no curto prazo sobretudo quanto menos informados forem os eleitores. No médio prazo, pode acabar em tragédia (ver-se-á ainda o caso grego, sobre o qual mantenho o pessimismo de há meses). É esta estratégia do populismo fácil que vários partidos irão apresentar nas próximas eleições para seduzir eleitores.

5. O PS adoptou, a meu ver bem, uma estratégia diferente. Não quer prometer aquilo que acha que não poderá, nem de perto nem de longe cumprir, e fará, na altura devida as suas propostas alternativas, mas realistas. A importância de se fazer cenários macroeconómicos é que é necessário prever o impacto das medidas de política. Um acréscimo de salários de x milhões não tem um impacto no défice desse montante, pois o Estado irá buscar parte em IRS e porque, ao aumentar a procura interna, tem um efeito multiplicador na economia. Variações nos impostos também necessitam simulação. Ter um cenário macro pressupõe um instrumental analítico para perceber o impacto das medidas de política em coisas que todos os cidadãos compreendem (inflação, desemprego, salários, etc.). Gostaria que todos os restantes partidos fizessem o mesmo exercício. Por exemplo, o PCP que defende a saída do euro, deveria analisar o impacto no PIB dessa saída, a desvalorização do novo escudo que resultaria, a inflação importada e a consequente descida dos salários reais, etc. Em resumo, como ficaria a vida dos portugueses. A ideia de ter e apresentar um cenário macroeconómico é, para além de inovadora, uma diferença metodológica e cultural em relação à forma tradicional de fazer política em Portugal, baseada em sound bites e nas promessas incumpríveis. Bem sei que, com alguma razão a reputação dos economistas está por baixo e que cenários são isso mesmo, cenários. Mas há três coisas que os “alquimistas” envolvidos na elaboração do cenário macroeconómico partilham: a importância de medidas para o crescimento e o emprego, a necessidade de ter políticas sociais mais inclusivas (reduzir as desigualdades reproduzidas pelo mercado), a necessidade de caminhar na consolidação orçamental. A próxima legislatura não vai ser fácil e ainda precisaremos dela para crescimento e consolidação. A válvula da panela de pressão nunca se tira de imediato.

NOTA: Agradeço à família de José da Silva Lopes o belíssimo Requiem de Mozart que nos ofereceu em sua memória. Não o esqueceremos no IPP nem no ISEG, uma das suas primeiras casas.

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