O futuro não tarda a chegar

A natureza da política portuguesa pós-2015 dependerá em larga medida da resposta que a elite política der, nos próximos meses, à crise de confiança na política.

Albert Einstein dizia que nunca pensava sobre o futuro, pois ele não tarda a chegar. Na política portuguesa, o futuro começa agora. Chegámos ao último acto deste ciclo político, que irá marcar a resolução de vários – e nem sempre edificantes – enredos da política nacional.

A primeira definição será na oposição. A liderança da oposição é descrita como o cargo mais difícil da política portuguesa. Este epíteto é discutível – pelo menos em períodos de crise – mas é certamente o mais instável. Desde 1985, Portugal teve 6 primeiros ministros – que enfrentaram, neste período, 14 líderes da oposição.

O resultado das primárias ditará se este número aumenta para 15. Contudo, os desafios do PS estão longe de terminar na noite de 28 de Setembro. O vencedor das primárias enfrentará depois a árdua tarefa de unir um partido envolto em lutas cada vez mais intestinas, como as recentes eleições distritais demonstraram. E, externamente, a não menos árdua tarefa de mobilizar um eleitorado que, a julgar pelas sondagens, se afastou do PS nos últimos meses.

Também no governo este será um ano de definição. A maioria tem sido resiliente: sobrevivendo até uma demissão irrevogável, este é já o mais duradouro governo de coligação da democracia portuguesa. Contudo, as tensões dentro do governo permanecem visíveis, e tenderão a avolumar-se com o Orçamento de Estado para 2015, reforçadas pelo ano eleitoral e as incertezas em torno do impacto do BES.

O OE permitirá também aferir o braço-de-ferro entre o governo e o Tribunal Constitucional. Um pilar central da estratégia de consolidação orçamental do governo tem sido o corte nos salários da função pública e nas pensões. Este ‘plano A’ tem surgido desde o primeiro OE para 2012; e também desde 2012 tem sido sucessivamente chumbado pelo Tribunal Constitucional. Irá o governo manter o braço-de-ferro com o TC e repetir o ‘plano A’ neste seu derradeiro OE? Ou conseguirá encontrar um ‘plano B’, depois de três anos a insistir que não há alternativas?

Depois do OE, os partidos da maioria terão de decidir se reeditam uma aliança eleitoral nas legislativas. Nas Europeias, esta estratégia permitiu mitigar a margem face ao PS, mas também reforçou a dúvida que assola a direita desde a nova AD de Marcelo e Portas – se uma aliança PSD-CDS não é porventura menos que a soma das suas partes.

À esquerda do PS, a estabilidade do PCP contrasta com a introspecção do Bloco, cada vez mais exposto às movimentações na esquerda e no campo ambientalista. E num espaço político indefinido paira o ‘joker’ Marinho e Pinto, posicionado para capitalizar a desconfiança nos partidos.

Os próximos 18 meses serão também os últimos da longa (35 anos) carreira política de Cavaco Silva. O seu lugar enquanto figura cimeira da democracia portuguesa está garantido – ironicamente, ao lado de Mário Soares, numa espécie de yin e yang político. Contudo, a forma como será descrito na história dependerá também desta derradeira fase da sua vida política.

Esta é a face visível do ano político que se avizinha. Há contudo um lado menos visível, mas mais relevante: o da relação entre cidadãos e política. Em 2014, Portugal surge entre os países da UE com menor satisfação com a sua democracia e menor confiança no seu governo nacional.

Nem sempre foi assim. No início do milénio, a confiança no governo em Portugal era das mais altas da UE, acima da Alemanha e Reino Unido, semelhante à Holanda e Suécia; e o nível de satisfação com a democracia era comparável ou superior ao de países como a Suécia, França, Finlândia e Alemanha.

Dentro de pouco mais de um ano, teremos um novo ciclo político, com um novo parlamento, um novo governo, um novo presidente. A natureza da política portuguesa pós-2015 dependerá em larga medida da resposta que a elite política der, nos próximos meses, à crise de confiança na política. Talvez seja melhor pensar sobre o futuro, pois ele não tarda a chegar.

Coordenador do Doutoramento em Ciência Política (UA-UBI)

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