O Bloco ficou Livre do 3D

Nos últimos tempos tenho-me fartado de defender um dos meus colegas desta última página. E não, não estou a falar de Vasco Pulido Valente. Estou a falar de Rui Tavares, o que não é necessariamente bom para ele, já que para o seu eleitorado eu serei com certeza má companhia. Mas tendo em conta o estado em que se encontra o triunvirato Bloco-3D-Livre e a sua convergência divergente, deixem-me explicar por que é que ando a votar Tavares em todas as tertúlias informais em que tenho participado sobre o estado da esquerda portuguesa. Traços gerais, a minha posição não tem a ver com uma questão de programa – tem, isso sim, a ver com uma questão de método e de transparência.

E tem a ver com uma outra coisa: com a dicotomia clássica entre o político habilidoso e cerebral, supostamente aquele que vinga no mundo sujo da política, e o político idealista e voluntarista, que – pobrezinho – está condenado a uma vida de entalanços e facadas nas costas. Eu bem sei que a política não é o terreno ideal para virgens impolutas. Mas contesto efusivamente que o tipo superinteligente e superesquemático, que faz muitas contas de cabeça antes de mover um pé e se especializa em jogadas de antecipação por achar que o mundo é um tabuleiro de xadrez, esteja necessariamente mais bem municiado para ter grande sucesso na política. Poderia falar aqui de eternas promessas adiadas do PS, como António Vitorino ou o próprio António Costa, todos eles detentores de um QI tão generoso e reflexivo que nunca conseguem decidir-se sobre o momento certo para tomar o poder. Mas prefiro antes comparar Rui Tavares, o idealista do Livre, a Daniel Oliveira, o pragmático do 3D.

Quando aquela coisa chamada 3D surgiu, apresentando-se como um “manifesto”, um “pólo” ou um “novo sujeito político” – tudo, menos um partido –, os analistas políticos que se dão comigo (não são muitos) concluíram de imediato que Rui Tavares tinha sido atropelado pela betoneira conduzida por Daniel Oliveira, com Carvalho da Silva escondido no lugar de pendura. Porquê? Porque – lá está – Daniel Oliveira era o pragmático calculista e Rui Tavares o ingénuo idealista. E o pragmático-esquemático-mediático iria invariavelmente triturar o ingénuo idealista. Ora, nessas discussões eu comentava com muita humildade que 1) ninguém sabia o que era um pólo, e que 2) o pólo estava condenado a perder o norte assim que levasse uma tampa do Bloco.

Hoje já todos sabemos o que aconteceu. O 3D ficou sem o Bloco para as eleições europeias, Ana Drago bateu com a porta e as divergências aprofundaram-se na insana procura da convergência. Enquanto isso, o Livre, pelo menos, vai ter o seu congresso fundador no próximo fim-de-semana e parece ter reunido as assinaturas necessárias para se formalizar como partido. Rui Tavares disse ao que vinha, fez o que prometeu, e mesmo sem apoios de peso está a fazer uma caminhada coerente. Já Daniel Oliveira, apenas 40 dias depois de ter lançado o seu manifesto dos 65 nomes sonantes, estava a escrever ontem no Expresso online: “Não dá para repetir tentativas falhadas de vencer esta cultura, que acabam em frustração e descrédito, motivo natural de chacota e piada.” Foi um bonito momento de autocrítica, no meio de um parágrafo onde está escrito “criação de um novo partido” em cada entrelinha. Oh, tanta energia e tanta inteligência desperdiçadas. Os tempos mudaram, senhores. Num mundo virado do avesso, sem um pouco de ingenuidade e idealismo não se vai a lugar algum.
 
 

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