Literatura ou “culinária criativa”?

O 2.º Encontro de Literatura Infanto-Juvenil da Lusofonia vai discutir durante esta semana se a escrita criativa merece ser considerada literatura.

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Como aprender a gostar de ler PAULO RICCA

De 22 a 27 de Fevereiro, a Fundação O Século, em S. Pedro do Estoril, recebe o 2.º Encontro de Literatura Infanto-Juvenil da Lusofonia. Nesta edição, há uma maior presença do Brasil e as bibliotecas escolares foram chamadas a contar as suas histórias sobre actividades de promoção da leitura. Nova aposta: criar criadores em São Tomé, Guiné-Bissau e Cabo Verde.

Além das visitas de escritores e ilustradores a escolas da Grande Lisboa (Cascais, Oeiras, Amadora, Lisboa), com o intuito de pôr as crianças em contacto directo com os autores e a explorar as suas obras, o encontro pretende trazer a debate temas como “aprender a gostar de ler, o que são narrativas visuais, literatura versus escrita criativa, histórias sobre as novas famílias e a situação do livro e do autor no espaço da lusofonia”, resume José Fanha, principal responsável pela organização do encontro.

O também autor de literatura para a infância diz-se “um defensor feroz de que o que interessa é a literatura” e contesta: “Não há culinária criativa. As pessoas é que são criativas, não são as coisas.” Lembra que o conceito de “escrita criativa” tem muito que ver com “o mercado americano, um mercado em que muitos ganham a vida a fazer contos formatados para jornais e revistas”.

Discorda que se importe este formato: “Essa escrita criativa ensina um modelo. Quantas páginas deve ter um livro? Ao fim de quantas páginas ‘matamos’ a personagem?”, exemplifica. Para José Fanha, “este modelo leva a um equívoco, há pessoas que fazem um curso de escrita criativa e pronto, já está, acham que são escritores”. Também admite que se pode estar “a chamar ‘escrita criativa’ a outras coisas mais válidas só porque o conceito está na moda”.

Para debater este tema, que considera “barra pesada”, convidou os escritores Mário de Carvalho, Margarida Fonseca Santos, Afonso Cruz e Cristina Carvalho, numa mesa que será moderada por Leonor Riscado, professora da Escola Superior de Educação de Coimbra (25 de Fevereiro, 18h).

Criar criadores
Paralelamente, o encontro promove a realização de cursos breves de literatura infanto-juvenil e ilustração, via Internet, “para contribuir para o desenvolvimento da literatura infanto-juvenil em países de língua portuguesa”.

 “A leitura, aprender a gostar” será um painel que irá contar com a presença do psiquiatra Luís Gamito. “Tal como a cultura, a leitura não é uma coisa inata. Qual é o caminho? Como é que se aprende a gostar?”, questiona o organizador do encontro. E responde com humor: “Não é assim: toma lá e lê, há um processo, que será o mesmo ou parecido com o de aprender a gostar de ópera ou de favas.”

Presentes nesta reflexão estarão também Cristina Taquelim e o brasileiro Rui Affonso Romano de Sant’Ana e Olinda Beja (de São Tomé), moderados por Sónia Gameiro, que organiza anualmente em Pombal o encontro Caminhos da Leitura.

Para falar de imagens e mostrar “o que é a ‘oficina’ do trabalho do ilustrador”, a organização convidou Mónica Cid, “com os seus livros de artista e cadernos de trabalho, onde dará a conhecer muitos pormenores”, que irá conversar com professor da Faculdade de Belas-Artes de Lisboa Manuel San Payo. Para os ilustradores André da Loba, Ana Biscaia, Rachel Caiano, está destinado o tema “A imagem que ilustra a palavra e a palavra que ilustra a imagem”, com a moderação de Ana Bela Mendes (dia 26 de Fevereiro, 11h).

As novas famílias
José Fanha considera fundamental pensar em como se integra na literatura para a infância e juventude “as novas realidades e as novas famílias”. O escritor dá conta de que “já começam a aparecer narrativas sobre famílias monoparentais, divórcios, pais gay, mães lésbicas”. Mas questiona a forma como as questões se põem: “Nalguns casos parece que se quer fazer propaganda desses temas. Qualquer coisa como: ‘Olhem que bonito que é…’”.

Por isso quer trazer os assuntos à discussão e perceber como estes se colocam nos diferentes países lusófonos. “Não estou a ver alguém em Cabo Verde a escrever sobre famílias monoparentais. São outras famílias, outros contextos, outros universos”, diz. “Como é que se olha para esses temas em Portugal, no Brasil, em Cabo Verde, em São Tomé. Que peso é que devem ter na literatura infanto-juvenil?”

O brasileiro Clovis Levi, “que já abordou com sucesso o tema da homossexualidade/bissexualidade no livro juvenil [Beco do Pânico] e não é gay, não está a fazer lobby”, integrará o painel “Novas realidades, novas famílias, novas temáticas” na companhia de Sílvia Alves (Portugal) e Carmelinda Gonçalves (Cabo Verde). O debate será conduzido por Dora Batalim.

Hiperleitura (do analógico ao digital), o estado da circulação de livros e autores no espaço lusófono, sessões de contos e feira do livro também terão lugar nesta semana de reflexão sobre literatura infanto-juvenil. Presentes estarão autores e especialistas como António Mota, António Torrado, Adelice Souza (Brasil), Benita Prieto (Brasil), Carlos Pinheiro, Eliana Yunes (Brasil), José António Gomes, José Manuel Cortês (Direcção-Geral do Livro dos Arquivos e Bibliotecas), José Jorge Letria (Sociedade Portuguesa de Autores), Jorge Serafim, Lúcia Barros (Rede de Bibliotecas Escolares), Luísa Ducla Soares, Maria Celestina Fernandes (Angola), Maria João Lopo de Carvalho e Marina Colasanti (Brasil).

Os trabalhos irão decorrer no auditório Comendador Rui Nabeiro e a Comissão de Honra é presidida por Jorge Sampaio. Também integram a comissão de honra os escritores Pepetela (Angola), Mia Couto (Moçambique), António Torrado (Portugal), Ana Maria Machado (Brasil) e ainda o professor Fernando Pinto do Amaral, comissário do Plano Nacional de Leitura, Teresa Calçada, antiga comissária adjunta do PNL, e Leonor Riscado.

O encontro é uma acção acreditada pelo Conselho Pedagógico-Científico da Formação Contínua.

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