O salvífico Maigret

Toda a gente tem buracos literários. É preciso lutar para não transformar as nossas incapacidades em preconceitos.

Nunca consegui ler um livro de ficção científica. Sei que o defeito é meu por ser impossível não haver obras-primas entre os livros que tentei ler. Mas já desisti.

Nunca consegui ler um livro policial até ao fim, a não ser que se considerem policiais as histórias de Elmore Leonard. Isto, sim, irrita-me e entristece-me desde os meus trinta anos. Experimentei todos aqueles que me foram recomendados por leitores e críticos que respeito. Nem Patricia Highsmith nem P.D.James. Nem Agatha Christie nem Dorothy Sayers. Nem Raymond Chandler nem Dashiel Hammett.

Gosto da maneira como escreve Ruth Rendell mas aborrecem-me os enredos. Gosto dos enredos de Agatha Christie - em filmes, por exemplo - mas estão tão mal escritos que não consigo avançar.

Esta semana comecei a ler a minha última grande esperança, que estava a guardar como última oportunidade: Georges Simenon. Em 1931 publicou dez policiais do Inspector Maigret. Os oito primeiros foram reunidos e publicados em francês pela editora Ominibus, na edição das obras completas Tout Maigret em 10 volumes, por pouco mais de 20 euros por volume.

Comprei os dois primeiros volumes e estou a meio de Pietr le Letton, o primeiro que Simenon escreveu mas o quinto que publicou.

É magnífico. É feito de pedra. Traz-me a euforia da simplicidade e do horror ao tédio. Sobretudo ao tédio e horror de escrever. Simenon conseguiu escrever depressa, sem paciência nem peneiras. Como se quisesse, apenas, ser lido.
 

  

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