Deixar de ser a Dory a olhar para os offshores e “dar o exemplo”, diz o Bloco

Proposta do BE para condicionar benefícios fiscais no offhore da Madeira à criação efectiva de postos de trabalho foi chumbada. Cartão verde do PSD colhe apoio do PS. Boa parte dos diplomas baixam à discussão sem serem votados.

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A deputada é criticada à esquerda e à direita Nuno Ferreira Santos

O tema propiciava-se ao trocadilho: entre referências a peixinhos como a Dory desmemoriada, personagem do filme de animação À procura de Nemo, e a tubarões fiscais, a direita e a esquerda travaram-se de razões sobre quem combateu ou quer combater mais os offshores durante o debate potestativo marcado pelo Bloco de Esquerda para esta quinta-feira. No final, nas votações, foram chumbadas as propostas do BE para condicionar os benefícios fiscais do offshore da Madeira à criação de postos de trabalho e de proibição de pagamentos a entidades sediadas em paraísos fiscais não cooperantes.

Mariana Mortágua, do BE, determinou a linha logo na abertura: defendeu ser “urgente” que Portugal dê o exemplo em matéria de transparência e de exigência para com os paraísos fiscais, recusou as desculpas para a inacção política, criticou o “abuso declarado e escancarado” do offshore da Madeira, ironizou sobre casos como o BPN, BPP, BCP, Finantia, BES, SwissLeaks, LuxemburgoLeaks e Panama Papers.

“Portugal não será parte da solução se mantiver a atitude hipócrita de dizer que está disponível para ser parte da solução, mas só quando todos os outros também estiverem”, apontou a deputada bloquista numa clara referência aos argumentos da direita, que tem defendido que as questões relacionadas com os paraísos fiscais devem ser tratadas a nível internacional, num esforço concertado das instituições europeias.

“Os offshores existem para que pessoas e empresas possam contornar legislações nacionais e não há nenhuma virtude nisso”, afirmou Mariana Mortágua. “Os offshores não são regimes legítimos alvo de abuso por pessoas sem escrúpulos. São o expoente de uma economia sem escrúpulos que põe em causa a legitimidade das sociedades democráticas e das regras que estas livremente constituem. São perigosos para as economias e para as democracias.”

Pelo PS, João Paulo Correia subiu à tribuna para apresentar sucintamente as propostas socialistas e para avaliar alguns diplomas dos outros partidos. Foi assim que se ficou a saber que o PS vai votar contra a proposta bloquista sobre o offshore da Madeira, em que o BE quer condicionar os benefícios fiscais às empresas que criem pelo menos seis postos de trabalho. E também que os socialistas vão apresentar uma proposta, no final do Verão, para rever as regras para atribuição dos benefícios fiscais, aumentar a fiscalização e a transparência.

Os socialistas estão também contra as propostas de agravamento, em sede de IRC e imposto de selo, das taxas sobre os rendimentos e transferências para regimes fiscais mais favoráveis, como propõe o PCP. E ainda contra as propostas que pretendem limitar e proibir pagamentos a partir de bancos portugueses para entidades sediadas em offshores cooperantes e não cooperantes, alegando que isso redundaria na deslocalização geográfica desses pagamentos para outras instituições financeiras estrangeiras, prejudicando o sistema bancário e financeiro nacional.

Pelo PSD, Duarte Marques afirmou que “legislar a nível europeu é muito mais fácil” e defendeu a proposta social-democrata de usar o cartão verde (uma decisão do Parlamento português que teria que associar outros 17 da UE) para obrigar Bruxelas a legislar sobre um maior controlo de todas as transacções entre países e paraísos fiscais. Para isso é preciso, no entanto, consenso parlamentar, pelo que o partido pediu a descida à comissão, sem votação, da sua proposta. Foi o socialista Vitalino Canas quem veio apoiar o PSD nesta matéria, dizendo haver “boas perspectivas para se chegar a uma posição conjunta da AR” nesta matéria. E remeteu as matérias para a discussão em comissão, apontando algumas “imprecisões técnicas e incoerências na proposta do PSD”.

Aliás, as incoerências foram uma arma de arremesso constante. Vitalino Canas haveria mesmo de dizer que o PSD se porta como o “Jekyll e Hyde”, mudando de posição consoante a ocasião. Por exemplo, no Orçamento do Estado votou contra um artigo que previa a transposição de uma directiva relacionada com os paraísos fiscais. Os deputados do BE e PSD eleitos pela Madeira também se travaram de razões, acusando-se mutuamente de terem um discurso no Funchal e outro em Lisboa. O BE e CDS trocaram acusações sobre os tectos admissíveis para as transferências em dinheiro – mas as propostas dos dois partidos sobre essa matéria foram aprovadas. E o PSD acusou o BE de querer transparência, mas nada dizer sobre os aumentos de ordenados e de administradores na CGD, o que Mortágua contrariou.

Durante o debate, Mariana Mortágua disse à centrista Cecília Meireles que a proposta bloquista sobre a manutenção do offshore da Madeira condicionada à efectiva criação de postos de trabalho só foi apresentada para “apanhar a incoerência” das outras bancadas sobre os offshores. “E pelos vistos cumpriu o objectivo.” A deputada centrista defendera que, “para ter uma fiscalidade mais justa, todos têm que pagar o que é devido”, alegando que o problema com os offshores é de “falta de eficácia” para os combater.

Admitindo ser preciso acção internacional, o comunista Paulo Sá defendeu que “isso não quer dizer que nada se faça a nível nacional”. Desfiou as seis propostas comunistas defendendo que a utilização de paraísos fiscais é “eticamente reprovável e socialmente inaceitável”, lembrando os 10 mil milhões de euros transferidos entre 2009 e 2014. O PCP viu serem aprovadas as propostas em que se definem os termos em que uma sociedade é considerada residente para efeitos tributários, para assegurar que os seus rendimentos são todos tributados em Portugal, assim como o agravamento das taxas de tributação de rendimentos e transferências para paraísos fiscais e as condições para a classificação de um offshore.

Mas fez baixar à comissão sem votação as propostas de proibição de quaisquer relações comerciais ou transacções com entidades sedeadas em offhores e de agravamento da tributação do imposto de selo e do IRC de operações financeiras com paraísos fiscais.

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