E eis que se apresentam os novos eleitores

Nos Países Baixos, antes das eleições, a extrema-direita venceu numa simulação com alunos de 17 anos; em Portugal, a intenção de voto na extrema-direita dos jovens também tem valores altos.

Antes do mais, recorde-se que o voto se estrutura nas primeiras vezes em que se vota. Depois, as opiniões e os valores consolidam-se com o que se vive. Tem-se consciência e algum controlo, mas há um universo de imagens "nuas" (não as "vemos", mas estão por todo o lado) que o influenciam. E como há novidades inquietantes, procure-se respostas para a seguinte interrogação: o que é que mudou nos últimos vinte anos nas democracias do Ocidente, para que a extrema-direita obtenha tão bons resultados nos novos eleitores?

Partamos de dois factos recentes: nos Países Baixos e antes das últimas legislativas, a extrema-direita venceu as eleições numa simulação com alunos de 17 anos; em Portugal, o sentido do voto dos jovens com o ensino secundário tem números elevados na extrema-direita.

Se esta tendência se mantiver, terminará o prazo de validade da antiga forma de olhar o mundo. Como disse ao Expresso Walter Russel Mead, "talvez o nacionalismo seja a forma primordial de democracia"; ou do fim dela, reflictamos nós, e da ideia de um mundo pacífico, fraterno e sem fronteiras.

Dito isto, discuta-se o contributo das políticas da Educação; e vinte anos é tempo suficiente para extrapolarmos e inferirmos.

Previamente, olhe-se, sem preconceitos ideológicos, para a queda da média das democracias do Ocidente no PISA 2022. Deu sinais antes da pandemia e desaconselha as recomendações da própria OCDE. E, a propósito de dogmatismos, Singapura aboliu, em 2018, rankings de escolas e seriações públicas sobre alunos e turmas, porque "aprender não é uma competição". Continua consistente no PISA e a usar provas para avaliar alunos. Saberão duas coisas: a Educação é a arte do equilíbrio e da sensatez, e a validade dos instrumentos científicos é independente do que se faz politicamente com eles.

Mas a queda do Ocidente no PISA 2022 e a influência nos novos eleitores, relacionam-se principalmente com dois factores: aumento brutal das desigualdades educativas e falta estrutural de professores, com a consequente contratação, apressada e desesperada, de milhares de guardadores de salas de aula.

E apesar da incerteza das comparações com outros momentos históricos, levante-se hipóteses, discuta-se e actue-se.

Recue-se duas décadas. Portugal construiu, até aí, as bases para o avanço notável nas qualificações e na frequência escolar no período entre 2000 e 2022. Mas pouco depois do início do milénio, o país aplicou as seguintes políticas que configuram a tendência dos novos eleitores:

1. Organização dos horários de trabalho suportada na escola a tempo inteiro e na supressão do espaço público na Educação;

2. Cortes curriculares na História, na Literatura, na Filosofia e nas Artes;

3. Ambiente de burocratização infernal nos processos disciplinares dos alunos;

4. Clima de eliminação das reprovações, sem respostas consistentes para quem "não queria aprender" (desde 1995 que a União Europeia sublinha este erro grave);

5. Desconfiança nos professores, desautorização do seu exercício e desvalorização sócio-económica do seu estatuto social.

Encontramos, na História da Educação, políticas semelhantes veementemente desaconselhadas. Leia-se Hannah Arendt, a filósofa que melhor "psicanalizou" a essência do fascismo (e do nazismo). Repare-se nos seus conceitos educativos essenciais à democracia:

1. Assegurar o tríptico responsável pela Educação: "à escola o que é da escola, à sociedade o que é da sociedade, à família o que é da família";

2. Contrariar as pedagogias da criança-rei que contribuem para gerações de invencíveis, ressentidos e egoístas (a propósito, recentemente concluiu-se por cá que a "violência dos jovens sobre os pais está a crescer");

3. Contrariar a dimensão do "fazer" sobre o “saber”, e da técnica sobre o conhecimento, e dos excessos nas metodologias de "gamificação" das aprendizagens;

4. Não secundarizar o papel dos professores, do ensino e da avaliação dos alunos, porque os jovens perdem o sentido de justiça, razão, responsabilidade, virtude e glória.

Chegados aqui, recorde-se que os novos eleitores portugueses não cresceram apenas num clima escolar autocrático e extractivo. A própria sociedade viveu tragédias bélicas, climáticas e migratórias e crises políticas, económicas, pandémicas e inflacionárias. E enquanto o mundo do trabalho associava à instabilidade profissional e financeira a sociedade do cansaço, a política mainstream tudo fazia para se descredibilizar.

Por outro lado, os jovens habitam um ambiente digital com as categorias integradas – socialização, informação, entretenimento, politização e influenciadores – expostas à falta de esperança, que é, depois, usada na gramática eleitoral. O voto dos jovens na extrema-direita será também um protesto, mas com o risco de se entranhar como uma convicção.

Em suma, vive-se uma encruzilhada dramática devido a anos de interrupção da pedagogia democrática; e teima-se nos erros. Do ponto de vista educativo, recupere-se a escola da democracia, da razão e da ciência.

A propósito, no último filme de Nanni Moretti, e não se advogando o mesmo ideal, clama-se por dois ou três princípios inalienáveis para que haja "sol no futuro". E a bem dizer, a escola portuguesa também adoeceu num ambiente kafkiano e distópico. Excluiu profissionais e bloqueou o elevador social, porque suprimiu três imperativos: simplificação organizacional, confiança democrática nos professores e triângulo intemporal decisivo: alunos, professores e conhecimentos. Reinicie-se. O futuro com sol encoberto, projectado na apresentação dos novos eleitores, pode não demorar tanto tempo assim.

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