Medicamento para obesidade mostra também benefícios para o coração em ensaio clínico

Pessoas com excesso de peso e historial de doença cardíaca que tomaram semaglutido tiveram uma incidência 20% menor de problemas cardiovasculares, segundo resultados de ensaio clínico.

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O medicamento Wegovy transformou o mercado da perda de peso desde o seu lançamento nos EUA em Junho de 2021 JIM VONDRUSKA/Reuters

A empresa farmacêutica dinamarquesa Novo Nordisk, fabricante do medicamento Wegovy (semaglutido), revelou agora que um grande estudo mostrou que o tratamento altamente eficaz para a obesidade também teve um claro benefício cardiovascular.

O cada vez mais popular Wegovy transformou o mercado da perda de peso desde o seu lançamento nos EUA em Junho de 2021, tendo captado a atenção de pacientes, investidores e celebridades em todo o mundo. Em Portugal, o Wegovy não é comercializado, sendo apenas vendido um fármaco com a mesma substância activa (semaglutido), chamado Ozempic, que está autorizado e é comparticipado em Portugal para o tratamento da diabetes de tipo 2 (e não a obesidade).

O recente anúncio da Novo Nordisk fez com que as acções da segunda empresa cotada em bolsa mais valiosa da Europa, a seguir à LVMH, aumentassem em mais de 17% para máximos históricos. Nos últimos dois anos, as acções subiram quase 165%.

Os resultados da fase final do ensaio clínico podem ajudar a persuadir as seguradoras nos Estados Unidos e as autoridades de saúde europeias a comparticiparem o Wegovy – que custa 1300 dólares (cerca de 1184 euros, ao câmbio actual) por mês nos Estados Unidos – a um maior número de doentes. A legislação dos EUA classifica os tratamentos para perda de peso como medicamentos para o bem-estar e impede que o plano de saúde Medicare para os norte-americanos mais idosos os comparticipe.

Incidência 20% menor de problemas cardiovasculares

Segundo a Novo Nordisk, os resultados do estudo (que ainda não foi revisto pelos pares) mostraram que os doentes que tomaram Wegovy tiveram uma incidência 20% menor de ataques cardíacos, acidentes vasculares cerebrais ou morte por doença cardíaca do que os que tomaram um placebo. Estes resultados revelaram-se significativamente melhores do que os 15-17% que os investidores e analistas previam.

O estudo, denominado SELECT, envolveu 17.500 pessoas com excesso de peso ou obesas com um historial de doença cardíaca, com 45 anos ou mais, sem historial prévio de diabetes. O ensaio clínico começou há quase cinco anos para testar se a injecção semanal deste medicamento teria benefícios médicos.

Os resultados irão provavelmente suscitar um debate sobre se os benefícios médicos a longo prazo são suficientes para ter impacto na pressão global sobre os sistemas de saúde e no custo do tratamento de doenças cardíacas em pessoas com excesso de peso e obesas.

"Suspeito de que as poupanças em termos de despesas médicas decorrentes deste estudo estão a anos de distância", afirmou Jeff Levin-Scherz, consultor da Willis Towers Watson, uma empresa que aconselha os empregadores em matéria de benefícios, risco e capital.

Segundo Jeff Levin-Scherz, na melhor das hipóteses, os medicamentos podem ter impacto positivo na melhoria da vida dos doentes e não tanto em reduzirem as despesas no que diz respeito aos cuidados de saúde.

Mudar a forma como a obesidade é encarada

As grandes empresas norte-americanas que gerem os seguros de saúde dos seus empregados e que tradicionalmente cobriam os tratamentos de perda de peso reduziram a sua cobertura devido à subida exponencial dos custos.

Ainda assim, os dados do ensaio clínico mostram que o Wegovy tem "o potencial de mudar a forma como a obesidade é encarada e tratada", explicou Martin Holst Lange, vice-presidente executivo para o desenvolvimento da Novo Nordisk, em comunicado.

A empresa Novo Nordisk espera obter aprovações regulamentares para incluir os benefícios cardiovasculares na indicação do rótulo do medicamento nos EUA e na União Europeia ainda este ano.

Os resultados detalhados do ensaio serão apresentados numa conferência científica no final de 2023. Nesta quinta-feira, os analistas procurarão obter mais pormenores durante a apresentação dos resultados do segundo trimestre da Novo Nordisk.

A corrida aos tratamentos de perda de peso

Mais de meia dúzia de empresas, como a Pfizer e a Amgen, estão a trabalhar em tratamentos de perda de peso semelhantes ao Wegovy, na esperança de obter uma fatia de um mercado estimado em cerca de 100 mil milhões de dólares até ao final da década.

A injecção semanal faz com que os doentes se sintam saciados durante mais tempo e conduz a uma perda de peso média de cerca de 15% quando combinada com mudanças na alimentação e exercício físico. O Wegovy pertence a uma classe de medicamentos conhecidos como agonistas do receptor do GLP-1, originalmente desenvolvidos para tratar a diabetes de tipo 2.

Espera-se que a empresa farmacêutica Eli Lilly receba aprovação para o seu medicamento de perda de peso, o Mounjaro, nos EUA ainda este ano. As acções da Eli Lilly subiram quase 15% durante as primeiras horas de quarta-feira, impulsionadas pelos seus resultados trimestrais optimistas e pelos dados do ensaio da Novo Nordisk.

Segundo a Organização Mundial da Saúde, mais de 650 milhões de adultos em todo o mundo são obesos, ou seja, três vezes mais do que em 1975, e cerca de 1300 milhões de pessoas têm excesso de peso, o que agrava problemas como as doenças cardíacas e a diabetes.

Soren Lontoft Hansen, analista do banco dinamarquês Sydbank, acredita que os resultados melhores do que os esperados do ensaio clínico da Novo Nordisk causarão agitação entre os médicos que prescrevem medicamentos contra a obesidade.

Os analistas do banco Barclays afirmaram que um resultado positivo do estudo poderia aumentar a utilização do Wegovy em 25% até 2030, se este obtivesse aprovação para uma utilização alargada.

A Novo Nordisk, que já está em esforço para satisfazer a procura crescente nos EUA, disse em Maio que estava a reduzir para metade o fornecimento de doses iniciais no mercado dos EUA para garantir o abastecimento dos doentes que já tomam o medicamento. A agência Reuters noticiou anteriormente que as doses maiores também estão a escassear, algo que a Novo Nordisk negou.

No mês passado, a Novo Nordisk lançou o Wegovy na Alemanha, o seu primeiro grande mercado europeu depois da Dinamarca e da Noruega, na esperança de que os alemães paguem centenas de euros do seu próprio bolso para terem acesso ao medicamento, uma vez que os planos de saúde públicos estão impedidos de o comparticipar.

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