Esvaziado pela lei de segurança chinesa, segundo maior partido pró-democracia de Hong Kong anuncia dissolução

Com ex-deputados detidos ou exilados por causa da controversa legislação imposta por Pequim à região administrativa especial, militantes aprovam desmantelamento do Partido Cívico.

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Alan Leong, um dos fundadores do Partido Cívico, deu a notícia aos jornalistas este sábado Reuters/TYRONE SIU
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Sem capacidade para resistir à imposição implacável da polémica lei de segurança nacional chinesa e da mais recente reforma eleitoral em Hong Kong, o movimento político pró-democracia do território perdeu este sábado mais uma voz importante, depois de o Partido Cívico ter anunciado a sua dissolução.

O desmantelamento forçado, mas voluntário, daquele que se assumiu, praticamente desde a sua fundação, em 2006, como o segundo principal partido do campo democrático da região administrativa especial chinesa, chega numa altura em que vários dos seus membros, incluindo antigos deputados, estão detidos ou foram obrigados a abandonar o território nos últimos três anos.

A decisão foi anunciada este sábado aos jornalistas por Alan Leong, um dos fundadores do partido, na sequência de uma votação interna. Sem candidatos aos cargos vagos na comissão executiva e com restrições financeiras consideráveis, 30 dos 31 militantes que participaram numa assembleia geral extraordinária do partido aprovaram uma moção para validar a dissolução, tendo havido uma abstenção.

“Hoje, o Partido Cívico despede-se de Hong Kong. Esperamos que a população de Hong Kong viva este momento com um coração esperançoso e não muito pesado. Vivam na verdade e acreditem no amanhã”, lê-se no comunicado divulgado pelo partido, citado pela Reuters.

“Embora o Partido Cívico não tenha alcançado aquilo a que se comprometeu, há tempo para tudo”, acrescenta o comunicado, assinado por Leong. “Embora a democracia ainda tenha de ser alcançada, esperamos que os conceitos de responsabilização e de governação aberta tenham sido adequadamente apresentados às pessoas.”

“Partido dos advogados”

Fundado há 17 anos, o Partido Cívico era conhecido como o “partido dos advogados”, representando algumas profissões liberais, nomeadamente juristas, académicos ou contabilistas, e tinha uma atractividade considerável junto da uma classe média.

Nas eleições de 2019 para os conselhos distritais de Hong Kong, vencidas de forma esmagadora pelos partidos pró-democracia – e consideradas as últimas eleições verdadeiramente livres na região administrativa –, elegeu 32 deputados.

Apenas superado pelo Partido Democrático (99 deputados), o Partido Cívico derrotou inclusivamente a Aliança Democrática para a Melhoria e Progresso de Hong Kong (21 deputados), o maior partido do campo pró-Pequim, hoje maioritário no parlamento da antiga colónia britânica, cuja soberania foi transferida para a República Popular da China em 1997.

Tal como vários meios de comunicação independentes ou organizações pró-democracia da sociedade civil, o encerramento da actividade do Partido Cívico está directamente relacionado com a lei de segurança nacional.

Segurança e reforma

Concebida pelo Partido Comunista Chinês (PCC) para responder aos protestos e aos motins de 2019 e 2020 em Hong Kong, mas entendida pelos opositores de Pequim como uma arma para a perseguição da dissidência, a legislação tipificou e definiu penas pesadas para os crimes de secessão, subversão, terrorismo e conspiração com forças estrangeiras e deu poderes reforçados ao poder judicial chinês para julgar e decidir sobre os casos.

Estados Unidos, União Europeia, Reino Unido, Austrália ou Canadá dizem, no entanto, que a lei – que também foi imposta a Macau – põe em causa a independência judicial de Hong Kong, viola o estatuto de semiautonomia consagrado pela Lei Básica (Constituição) e fere o princípio “um país, dois sistemas”.

Centenas de activistas, políticos e membros dos media foram detidos e acusados desde a sua entrada em vigor, em Junho de 2020, incluindo os ex-deputados do Partido Cívico Alvin Yeung e Jeremy Tam. E os que não foram detidos ou não saíram do território, tornaram-se menos activos e menos vocais, temendo pela sua segurança.

Os partidos políticos pró-democracia viram ainda a sua actividade ser praticamente esvaziada pouco depois da realização das eleições primárias de Julho de 2020, que mobilizaram 600 mil pessoas e que procuravam escolher os candidatos do movimento às eleições para o parlamento.

Aproveitando um longo interregno eleitoral, justificado com a pandemia de covid-19, o governo de Hong Kong (pró-Pequim) aprovou uma reforma, em Março de 2021, que reservou apenas aos “patriotas” o direito de se candidatarem, com os restantes a poderem ser vetados por um comité eleitoral leal ao PCC.

O resultado foi o esperado: em Dezembro de 2021, numas legislativas com abstenção recorde (30,2%), na qual concorreram menos de uma dezena de candidatos “moderados”, o establishment pró-Pequim venceu em toda a linha, fechando definitivamente as portas do parlamento aos democratas.

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