Lei de segurança entra em vigor e precipita “o fim de Hong Kong que o mundo conheceu”

Grupos pró-democracia temem perseguição política e anunciam dissolução ou suspensão de actividades. Protestos previsíveis já na quarta-feira testarão novas ferramentas à disposição de Pequim, que incluem prisão perpétua para crimes que ameacem a segurança da China.

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Presença policial tem sido uma constante nas ruas de Hong Kong JEROME FAVRE/EPA

Hong Kong entrou esta terça-feira numa nova e potencialmente problemática etapa da sua peculiar existência enquanto região administrativa especial da República Popular da China, depois de o Comité Permanente do Congresso Nacional do Povo ter ratificado a controversa legislação de segurança nacional, de o Presidente chinês, Xi Jinping, a ter promulgado e de aquela ter entrado em vigor ao final da noite (hora local). 

A oficialização de um projecto de Pequim que o movimento pró-democracia diz que viola o princípio “um país, dois sistemas” e que vai acabar com a autonomia do território levou ao afastamento e suspensão de actividades de algumas das figuras e organizações mais activas dos últimos anos, em Hong Kong, que temem ser alvo de perseguição política nas próximas horas ou dias.

Ainda assim, estão previstas manifestações de rua já na quarta-feira, dia de aniversário da transferência de soberania do antigo território britânico para a China (1997).

Depois de um ano de 2019 repleto de protestos, motins, repressão e violência, será a primeira grande oportunidade para se perceber de que forma as autoridades de Hong Kong –, subordinadas ao Governo central – vão fazer uso das novas ferramentas disponibilizadas pela legislação, que incluem penas de 10 anos até prisão perpétua para determinados crimes. Segundo o South China Morning Post, foram mobilizados cerca de 4 mil agentes antimotim.

“[A entrada em vigor da lei] marca o fim de Hong Kong que o mundo conheceu. A partir de agora, Hong Kong entra numa nova era de terror (…), com acusações arbitrárias, detenções extrajudiciais, julgamentos secretos, confissões forçadas, repressão dos media e censura política”, lamentou nas redes sociais o conhecido activista Joshua Wong, ao anunciar a saída da Demosisto, a organização pró-democracia que liderava e que ajudou a fundar, como partido político, que, por sua vez, também comunicou esta terça-feira a sua “dissolução”.

Nathan Law, líder estudantil da Demosisto foi outro dos activistas de renome que apresentou igualmente a sua demissão, tal como Baggio Leung, ex-deputado e membro do grupo pró-independência Frente Nacional de Hong Kong – que passará a actuar apenas fora do antigo território britânico.

Prisão perpétua

A nova legislação trata principalmente da tipificação e definição de penas para os crimes de “secessão”, “subversão”, “terrorismo” e “conluio com forças estrangeiras”, mas também das competências e capacidade de actuação das novas agências de segurança nacional de Hong Kong e da identificação da lei aplicável a cada caso concreto.

Nas últimas semanas foram sendo conhecidas algumas disposições da lei, mas o seu conteúdo e versão finais só foram, no entanto, revelados com a própria entrada em vigor, ao final da noite desta terça-feira. 

Entre os 66 artigos do texto jurídico destaca-se: a possibilidade de prisão perpétua para os condenados pelos quatro crimes referidos; a criação de um gabinete de segurança nacional chinês com competência para definir que casos devem ser julgados na China continental; a competência do governo de Hong Kong para nomear juízes para decidirem sobre casos de segurança nacional; e o primado do direito chinês, em situações de conflito com as leis do território.

Disposições que, segundo os analistas, para além de serem suficientemente amplas para permitirem interpretações extensivas, chocam com a Lei Básica, o estatuto que define os termos da semiautonomia da região administrativa especial.

“A nova lei de segurança de Hong Kong é uma ferramenta assustadoramente ilimitada de supressão de agitação política. Tal como outras leis da China continental, parece poder ser manipulada para satisfazer os desejos do Partido Comunista, consoante a sua necessidade de esmagar qualquer actividade que considere ameaçadora”, considera o correspondente da BBC na China, Stephen McDonell.

Apesar das críticas desta terça-feira, e anteriores, de líderes políticos da União Europeia, dos Estados Unidos, do Reino Unido, de Taiwan, do Japão ou da NATO, que dizem que a lei põe em causa as liberdades individuais dos cidadãos e a independência do sistema judicial de Hong Kong, Pequim garantiu que a autonomia do território não está em risco e a líder do executivo, Carrie Lam, pediu “respeito” pelo “direito” da China de “salvaguardar a segurança nacional”.

“Esta lei será uma espada afiada, suspensa sobre uma minoria de pessoas que coloca a segurança nacional em perigo”, explicou a agência estatal chinesa que trata dos assuntos de Hong Kong e Macau. “Mas para a maioria dos residentes de Hong Kong, e dos estrangeiros da cidade, a lei será um guia que salvaguarda os seus direitos, liberdades e modo de vida pacífico”.

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