Protecção do bem-estar animal ficará na Constituição para ultrapassar dúvidas legais

PS e PSD concordam na necessidade de resolver problemas de inconstitucionalidade na lei dos maus tratos a animais. Proposta do Chega para proibir crueldade sobre animais aqueceu o debate.

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Deputados do PS e PSD dispostos a garantir a protecção do bem-estar animal na Constituição Nuno Ferreira Santos

O PS e o PSD concordaram em consagrar na Constituição a protecção do bem-estar animal como forma de ultrapassar uma provável declaração de inconstitucionalidade à lei dos maus tratos a animais. As posições foram assumidas na reunião da comissão de revisão constitucional desta quinta-feira.

Na proposta dos socialistas ao artigo 66º, a Constituição deverá inscrever que “a lei garante a protecção do bem-estar animal”, uma formulação que foi acolhida pelo PSD. “Pode ser o enquadramento que vem resolver o problema na Constituição”, afirmou a deputada do PSD Emília Cerqueira, numa referência ao pedido de declaração de inconstitucionalidade (de forma geral e abstracta) da norma que criminaliza os maus tratos a animais da lei de 2014, em resultado de várias decisões do Tribunal Constitucional nesse sentido.

“Esta é uma preocupação que nos foi colocada pelo Tribunal Constitucional de forma quase inopinada. Há três acórdãos e cinco decisões sumárias. Ficamos com um vazio legal”, sustentou a deputada social-democrata. Já antes a socialista Alexandra Leitão tinha defendido que “era importante incluir uma referência na Constituição para respaldar a lei”, embora sem especificar a posição sobre as propostas do BE, Livre e PAN.

O Bloco propôs mesmo que o “direito ao bem-estar animal” ficasse consagrado num artigo autónomo, mas a formulação suscitou dúvidas no PSD por se considerar que se pode estar a abrir a porta a “atribuir personalidade jurídica a quem não tem”. O mesmo alerta foi deixado pelos deputados João Cotrim Figueiredo, da Iniciativa Liberal, e Rui Tavares, do Livre, embora tivessem concordado com a necessidade de “preencher o vazio jurídico”.

Pedro Filipe Soares assinalou não ter ouvido divergências de fundo sobre a sua proposta e mostrou disponibilidade para alterar a redacção, independentemente de ficar em artigo autónomo ou integrado no 66º, já que os deputados ainda não decidiram permitir o aditamento artigos à Lei fundamental por implicar a sua renumeração.

Para atender à consagração da protecção do bem-estar animal, o PAN também inclui esta formulação no artigo 66º, propondo mudar a epígrafe actual de “ambiente e qualidade de vida” para “ambiente, animais e qualidade de vida”.

A deputada comunista, Alma Rivera, esteve em contraciclo sobre este tema ao mostrar ter dúvidas de que “o alcance de algumas propostas consiga ultrapassar os problemas constitucionais”, defendendo a necessidade de aprofundar a discussão.

Chega contra as touradas?

O debate acabou por aquecer a propósito da proposta do Chega na qual o partido pretendia “proibir as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade, nos termos da lei”. Emília Cerqueira viu uma “contradição” entre a posição do partido – que é a favor das touradas – e a proposta que “abre o flanco” à penalização deste tipo de actividades.

O BE secundou a contradição apontada pelo PSD. ”Queremos saudar a proibição do Chega às touradas”, ironizou Pedro Filipe Soares. Em defesa da proposta, a deputada do Chega, Rita Matias, começou por alegar tratar-se de uma “dificuldade de compreensão” do que está escrito, argumentou que se trata de um princípio inspirado na Constituição brasileira, e acusou os restantes partidos de quererem encontrar “contradições” nas propostas do partido.

Pedro Filipe Soares insistiu para que o Chega retirasse a proposta e Rui Tavares comentou: “Quando se acusa e não saber ler, tem de se saber escrever”.

De qualquer forma, a deputada referiu que a redacção proposta remete para “os termos da lei” e que não considera que a “tauromaquia seja injustificável ou cruel”, o que motivou a contestação da deputada do PAN, Inês Sousa Real. Com a reunião a decorrer já há hora e meia, o presidente da comissão de revisão constitucional José Silvano, apelou a que os deputados se cingissem ao âmbito do que estava em discussão.

Numa primeira parte da discussão, que foi centrada nas propostas sobre o ambiente, o PS e o PSD partilharam a ideia de inscrever a promoção da “economia circular” no artigo 66 º da Constituição mas divergiram sobre propostas de outros partidos nomeadamente a do Bloco. Trata-se de um aditamento sobre o direito à natureza em que prevê que as pessoas singulares e colectivas respondam “civil e criminalmente, por actos e omissões que causem danos graves, extensos ou duradouros aos ecossistemas ou ao ambiente”. Os sociais-democratas, acompanhados pela Iniciativa Liberal, mostraram-se contra, depois de Alexandra Leitão ter mostrado abertura para acolher propostas relativas ao 66º embora dispense “tanta densificação”.

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